A questão das grafias duplas tem suscitado, no seio dos utilizadores da língua portuguesa, várias dúvidas, críticas e confusões.
Ora, a existência de uma dupla grafia para a mesma palavra confirma a democraticidade da língua, que respeita as duas pronúncias: a de Portugal e a do Brasil. Assim e de modo a resolver os casos em que uma consoante se pronuncia ou não, salvaguarda-se a possibilidade de essa palavra ser escrita de duas formas.
Não podemos, porém, esquecer-nos de que devemos ser criteriosos quanto à utilização da língua materna. Se utilizamos a variante europeia, uma vez que somos portugueses, devemos selecionar a opção pronunciada em Portugal. Embora determinada grafia seja conveniente, não significa que a alternativa usada no Brasil seja incorreta, mas trata-se de uma questão de coerência em relação aos princípios defendidos pelo acordo ortográfico. Deste modo, em Portugal, utiliza-se facto e, no Brasil, fato, visto haver uma oscilação na pronúncia.
Vejamos, então, algumas grafias convenientes em Portugal: aspeto, cato, carateres, cetro, conceção, perentório, receção, setor. Nestes casos, a variante brasileira não emudece a consoante, preservando o grupo consonântico. Assim, eles devem escrever aspecto, cacto, caracteres, ceptro, concepção, peremptório, recepção.
Por outro lado, em Portugal existem algumas palavras cujas consoantes são articuladas, contrariamente ao que acontece no Brasil. Nestes casos, verifica-se, igualmente a dupla grafia.
Então, aconselha-se que escrevamos amígdala, amigdalite, amnistia, amnistiar, aritmética, corrupto, facto, indemnizar, omnipotente, omnisciente, súbdito, subtil, sumptuoso, sumptuosidade.
No Brasil, eles seguirão a mesma regra, optando pela grafia que respeite a respetiva pronúncia, como, por exemplo, corruto ou corrupto, consoante as regiões, ou, então, fato e sutil. Escrever segundo a pronúncia (culta) e saber utilizar a palavra escrita adequada na comunidade linguística a que nos dirigimos é uma prova de cultura.
Ora, há quem refira que o AO aumentou o número de palavras divergentes e se sirva desse argumento para desacreditar a unificação ortográfica, o que não é verdade. Num estudo elaborado por Jorge Candeias, prova-se exactamente o contrário. Na verdade, a língua portuguesa consolidou-se e fortaleceu-se e, com a publicação do VOLP, poderemos constatar a consolidação e a grandeza de uma língua falada por milhões de pessoas em todo o mundo.
Em suma, este acordo introduz alguma tolerância ortográfica, através da opcionalidade, revestindo a língua de riqueza vocabular.
Lúcia Vaz Pedro
- O “fantasma” das grafias duplas
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