Ana (Lisboa, Ed. Futura, 1974), primeiro livro individual de prosa de Maria Teresa Horta (MTH, n. 1937) contém o selo definitivo da escrita da autora. Um discurso do desejo feminino, uma topografia do desejo centrado no corpo da mulher, um texto fragmentado, não lógico, que evolui por iluminações, um tempo intemporal, memórias do passado coabitando com instantâneos do presente, sobretudo em torno dos objetos da casa, uma voz masculina inquiridora e inquisidora a reprimir o desejo e a vontade feminina. A voz feminina estatui-se como coletiva segundo a epígrafe: “Às minhas irmãs de todo o mundo”.
Estilo lírico, poético, sublinhando o jogo dos sentimentos, evidenciando o lugar inferior da mulher ao longo do tempo histórico, mas sobretudo a mó repressora a que sempre esteve sujeita. Os livros de MTH constituem-se, assim, como um grito de revolta contra esta situação, não contra o Homem, mas contra a mentalidade patriarcal e marialvista
O livro Novas Cartas Portuguesas (1972), de Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno (1939 – 2016) e Maria Velho da Costa (1938), constitui a projeção ideológica das Cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado no sentido de denúncia da condição social da mulher na cultura portuguesa e de afirmação da necessidade de transgressão dos códigos sociais regularizadores do papel da mulher na sociedade. Para as autoras, as cartas da freira de Beja do século XVII são vistas não só como expressão de um acentuado lirismo, mas também como o fruto de uma personalidade feminina reprimida.
É este, de facto, o estatuto cultural de Novas Cartas Portuguesas: denúncia da condição feminina em Portugal na década de 1970, que se mantinha em estado de longa humilhação histórica, mas também o anúncio da libertação cultural da mulher portuguesa, o que iria suceder nas décadas seguintes.
Isabel Allegro Magalhães considera que na segunda metade do século XX e “na nossa história literária deparamos apenas com uma obra de destaque claramente feminista: as Novas Cartas Portuguesas”, salientando existir a “conjunção, no tecido do texto, de uma denúncia da opressão no domínio privado, vivida no corpo das mulheres, e a opressão no domínio público, palpável na sua inserção social e na sociedade em geral” (Magalhães, 1995: 21-22).
Historicamente, o livro é publicado na reta final da luta das mulheres portuguesas desde a passagem dos séculos XIX e XX e corresponde, do ponto de vista estético, a um autor único (desconhece-se a autoria individual dos textos), expressão de uma voz coletiva, não já sofrida e atormentada, como fora a de Mariana Alcoforada, mas de crítica e de contestação da situação da mulher. Mantendo a toada lírica inspirada no livro de Mariana Alcoforado, representação estética da paixão, a carta, como expressão escrita dialógica, é estatuída como síntese de toda a literatura: “Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível…” (Barreno, Horta, Costa, 1972: 3). Livro confiscado pelos serviços da censura do Estado Novo, as suas autoras foram objeto de um processo judicial (Vidal, 1974), anulado pelo novo regime político democrático instaurado em 25 de Abril de 1974.
A Paixão Segundo Constança H. (1984), de MTH, título fervorosamente lispectoriano, condensa, nas suas três centenas de páginas, o retrato absoluto e perfeito do que se convencionou designar por “escrita feminina” na história da literatura do século XX, designação que o nosso século, após a indubitável libertação e independência da mulher nos últimos 50 anos, está sendo substituído por “escrita no feminino”.
Pela primeira designação, militante e prosélita, referencia-se uma vertente da narrativa que evidencia a repressão sobre a mulher por uma sociedade constituída dominantemente por instituições masculinas. No caso da literatura portuguesa, aponta-se o conhecidíssimo exemplo de Judith Teixeira (1880 – 1959). Pela segunda designação, refere-se uma literatura dominada por sentimentos, emoções e paixões, atribuindo uma especial significação aos valores do corpo e, dentro destes, ao erotismo. Nesta segunda vertente, o autor português que mais fortemente difundiu os valores da escrita “no feminino” foi, curiosamente, senão paradoxalmente, um homem: António Alçada Baptista, nomeadamente em Os Nós e os Laços (1985), Catarina ou a Sabor da Maçã (1988) e Tia Suzana, Meu Amor (1989). Porém, autoras como Natália Correia, Inês Pedrosa, Hélia Correia (sobretudo Adoecer) e Ana Cristina Silva (Mariana, Todas as Cartas, 2002, A Mulher Transparente, 2004, e Bela, 2005) merecem especialíssimo destaque.
A obra de MTH institui-se, na historiografia da literatura portuguesa recente, como a mais eminente representante da primeira vertente, tanto na poesia quanto no romance, sobretudo em A Paixão Segundo Constança H., de 1994, reeditado em 2010. Precursora da consciencialização social da existência de um olhar feminino, militante da dignificação da mulher na sociedade, a obra de MTH institui-se, hoje e já, como parte integrante do património cultural português no que se refere à longuíssima luta de independência da mulher no seio das instituições sociais nacionais desde o momento auroral das sufragistas republicanas, nos princípios do século XX, até à atual conquista pelas mulheres de lugares proeminentes em todos os sectores da sociedade.
Neste sentido, A Paixão Segundo Constança H. estatui-se como um romance hoje já histórico, refletor de uma realidade, se não totalmente ultrapassada (note-se o predomínio de “violência doméstica” sobre as mulheres; note-se a pequeníssima taxa de mulheres empresárias e de mulheres exercendo altos cargos políticos), pelo menos fortemente suavizada. Dificilmente seria possível, hoje, que Henrique (o marido) conseguisse internar a mulher (Constança) num asilo psiquiátrico, proibindo a visita dos filhos e sujeitando-a a tratamento de choques elétricos. Porém, romance também intemporal enquanto explosão narrativa de sentimentos líricos e eróticos da mulher sobre o seu próprio corpo (causa maior da censura social e do esquecimento histórico sobre os livros de Judith Teixeira), seja atraído pelo corpo masculino (o marido), seja pelo corpo feminino (Adele). Constança paga com a hospitalização forçada (raptada de casa amarrada numa “camisa de forças”) a libertação e a exploração sentimental dos instintos sexuais que lhe dominam a consciência. Como uma Medeia moderna, fundindo crime com castigo, a narradora leva Henrique, o culpado direto da repressão sobre Constância, ao suicídio na banheira numa cena memorável (digna de um filme) presenciada pelos filhos, regressados da escola.
Escrito na totalidade segundo um estilo lírico (de cada frase marcante se podia tecer o princípio de um poema), A Paixão Segundo Constança H., um romance de culto, concentra o universo semântico dos valores femininos como raras vezes se viu na nossa literatura – a repressão sobre a sexualidade feminina, considerada demoníaca, lugar da luxúria e do pecado; a sufocação do sentimento; o encarceramento dos códigos femininos, considerados socialmente inferiores, caprichosos, infantis (chorar, ler romances, enfeitar-se, pintar-se…); a identificação da fala da mulher com o lugar psicológico do artifício, da birra, da mania, da esquisitice, da extravagância; a identificação exclusiva da mulher com a maternidade, mas sem a atribuição dos aspetos mais vincantes da educação; o delírio ou o devaneio mental como marca natural feminina, com disposição para a alucinação; a mulher como ser vocacionado para a ignorância, crédula e supersticiosa por natureza, incapacitada para assumir cargos de responsabilidade e funções que exigem frieza de raciocínio…
De leitura e estudo obrigatórios como marca de um tempo, ainda não superado na sua totalidade, A Paixão Segundo Constança H. constitui-se como um romance emblemático da vertente da “escrita feminina” na literatura portuguesa dos últimos 50 anos, momento dialeticamente necessário para que as novas gerações de escritoras (e escritores, como Alçada Baptista) se exercitassem sem constrangimentos na prática de uma “escrita no feminino”.
Quotidiano Instável. Crónicas, publicado em 2019, com prefácio esclarecedor e recolha de textos de Ana Raquel Fernandes, antologia de crónicas de 1968 a 1972, pode ser perspetivado como um momento de busca de um lirismo puro na obra de MTH entre a década de 1960 e a primeira metade da década seguinte.
Álvaro Manuel Machado refere que a poesia da autora reside, desde seu primeiro livro, na criação de metáforas tendo em conta a “assunção de uma corporeidade livre” (1996: 246) e Anna Klobucka refere que o motivo condutor do “imaginário” de MTH reside na relação entre “o corpo e a palavra” (1993: 158). Diríamos ser hoje hermeneuticamente consensual estas duas interpretações que, na verdade, se resumem a uma única, apresentada desde logo na epígrafe do seu primeiro livro: “Toute ma présence est parole” (Simone de Beauvoir), no sentido de que o corpo e o quotidiano só se manifestam como sentido quando acedem à linguagem.
Será talvez necessário cruzar este horizonte interpretativo do trabalho ficcional da autora com um fortíssimo vínculo social de transgressão, que, aliás, Álvaro Manuel Machado também refere. MTH parece estar de acordo, já que em Antologia Pessoal. 100 Poemas (2003), selecionou para republicação o longo “Poema da Insubordinação” da sua participação em Poesia 61. Transgressão ou insubordinação significa o mesmo na obra de MTH, ainda que o primeiro contenha um cunho mais social e o segundo mais individual. Ambos possuem, porém, um eminente valor estético.
Entre 1968 e 1972, MTH e José Saramago (Deste Mundo e do Outro e Bagagem do Viajante) publicam crónicas no jornal A Capital. São dois tipos de crónicas diferentes: as de Saramago, atentas à realidade social, vinculam uma denúncia, um protesto (leve, devido à censura) e um jogo irónico, revelando, sobretudo, uma busca de justiça social; em MTH, por seu lado, existe a exaltação de um corpo reprimido e o uso de um léxico sugestivo que aponta para uma transgressão e uma insubordinação da existência através de um mundo de glorificação do corpo que devia ser valorizado, mas que as regras e a moral social não permitem enaltecer. Seria uma belíssima tese de mestrado evidenciar como estes dois grandes autores da literatura portuguesa, no seu processo de formação, possuem visões diferentes da crónica jornalística neste período, encetando caminhos literários totalmente divergentes.
Tanto na poesia publicada na década de 60 como na do mesmo período de Quotidiano Instável (Minha Senhora de Mim, 1971), como, ainda, na prosa vinda a lume (Ambas as Mãos sobre o Corpo, 1971, e no volume coletivo Novas Cartas Portuguesa, 1972), o estilo de MTH pode definir-se como a busca de um lirismo puro tendo como horizonte referencial primeiro e último o corpo feminino e como linguagem estética o primado subjetivo da sensibilidade feminina, ambos afirmados como momento e como bandeira do movimento feminista em Portugal, que terá o seu ápice na obra da autora em prosa na publicação de A Paixão Segundo Constância H. (1994) e as Luzes de Leonor (2011), e, em poesia, na Poesia Reunida (2009, evidenciando uma continuidade temática e estilística) e em Poemas para Leonor (2012). É esta busca de um lirismo puro em torno da sensibilidade e do corpo femininos que singulariza a obra de MTH na atual literatura portuguesa contemporânea.
Lirismo puro significa, nesta autora, uma contínua evanescência do real, em que o referente é diluído, ou, pelo menos, enfraquecido, face à subjetividade pessoal, gerando uma escrita não só anti-racional como, sobretudo, de fortíssima sentimentalidade, celebrando mais os indícios, os sinais, os vestígios da realidade do que o império desta. Neste sentido, Quotidiano Instável, como exemplo desta escrita eminentemente lírica, ainda que social e historicamente interventiva devido à exaltação de um horizonte feminista no seio de uma sociedade eminentemente masculina (final do regime do Estado Novo), é uma escrita individualizada, confessional, quase um diário, com inúmeros elementos auto-biográficos. Sobre a prática deste tema, a autora tinha publicado já Crónica não é recado (1967), onde reduz cada crónica a um poema, sugerindo assim e igualmente que as suas crónicas refletem mais o estado de espírito da cronista do que uma explícita mensagem para o leitor.
Devido a este estatuto da crónica praticada por MTH, o lirismo conspira abundantemente nos seus livros, fazendo corresponder os textos de Quotidiano Instável aos textos do romance Ambas as Mãos sobre o Corpo, do mesmo período, não se distinguindo, neste sentido, a prática de crónica e a prática do romance. Os curtos capítulos do segundo poderiam constituir-se como crónicas do primeiro e vice-versa. Em Ambas as Mãos sobre o Corpo o lirismo entende-se, para além das características acima enunciadas, como captação do ritmo sensível do mundo, da existência pessoal da narradora, que não raro se confunde com a cadência da vida da autora, e em Quotidiano Instável com o seu ritmo descompassado, desequilibrado (“instável), feito de desejo, de frustrações e de um tempo fragmentário.
Tendo consciência da imensa subjetividade da afirmação, não podemos deixar de considerar as duas últimas crónicas (24 de maio e de 15 de novembro de 1972, pp. 165 – 168) como síntese das restantes e, porventura, as mais belas do livro, expressão perfeita do que designámos por busca de um lirismo puro.
Eça de Queirós confessou a Ramalho Ortigão que, ao longo da escrita de Os Maias, pusera no livro tudo o que tinha no “saco” (memórias, experiência de vida, filosofias, ideologias, História…). O mesmo se pode dizer da biografia romanceada da Marquesa de Alorna, As Luzes de Leonor. A autora, Maria Teresa Horta (MTH), esvaziou o “saco” da totalidade da sua experiência de vida em 1054 páginas – sem dúvida um dos maiores romances biográficos da literatura portuguesa e, também sem dúvida, uma narrativa que marcará doravante os estudos sobre o Iluminismo português e as origens do Romantismo oitocentista em Portugal, para além de marcar profundamente os estudos sobre a Marquesa de Alorna, mesmo tendo em conta que esta biografia cessa em 1803 (a Marquesa de Alorna faleceu em 1839).
É difícil escrever sobre este livro devido ao muito esclarecedor prefácio de Vanda Anastácio, grande reanimadora na Universidade dos estudos sobre Leonor de Almeida após os estudos de Hernâni Cidade nas décadas de 1930 e 40.
Tentemos, no entanto.
Em primeiro lugar, As Luzes de Leonor é uma biografia apaixonada, escrita num tom de ardente paixão pela vida e obra da biografada, mas, sobretudo, uma biografia apaixonante. Com efeito, sendo abundantemente conhecidas a obra de MTH e a sua atividade militante em prol do feminismo, não custa admitir existir uma fusão entre a autora, a narradora e o privilégio atribuído a certas características da personalidade de D. Leonor de Almeida. Aliás, na última página, a narradora identifica-se com a autora: “… eu não faço a tua biografia: tento recriar-te, minha avó, inventando-te do grão de luz ao bago de romã”. D. Leonor de Almeida é, portanto, familiar de MTH. Neste sentido, o romance As Luzes de Leonor é contaminado positivamente por uma dupla paixão – a de familiar, obnubilando a interpretação científica objetiva, que não cabe num romance, e a de mulher, destacando nesta as características tanto da feminilidade, por vezes a um nível romântico, quanto do sofrimento social, político, cultural e sexual a que as mulheres se encontra(va)m sujeitas. Neste sentido, é um romance de testemunho, denúncia e luta – nada nele existe de neutralidade social e histórica. A biógrafa toma partido ao lado da biografada, ambas irmanadas numa luta histórica mais geral que o título denuncia – a difusão das “luzes” (o racionalismo, o primado da ciência) em Portugal.
Em segundo lugar, biografia apaixonante devido ao lirismo nele trespassado em todas as páginas, ora segundo a forma de descrição de flores, de cores, de cheiros, de redes sentimentais entre mulheres de destino semelhante, ora das roupas da biografada, coloridas e belas, leves e elegantes, ora de situações amorosas vividas por D. Leonor de Almeida desde as aparentes práticas sexuais lésbicas em Chelas ao final poético entre os braços de Henri Forestier, ora da criação de poemas pela própria, transcritos no interior romance, não raro pungentes. O lirismo é, assim, a marca de estilo deste romance, um lirismo feminino como o é nas restantes obras de MTH.
Em terceiro lugar, biografia apaixonante devido à exposição da tensão existencial permanente (muito bem descrita, aliás) entre os deveres sociais de mãe, de esposa, depois viúva, por um lado, e o apelo à vocação poética romântica como mulher livre, por outro lado, gerando a contradição estética no seio do qual decorre a narrativa: ora destacando o papel de Marquesa, descendente dos Távoras, grande casa senhorial de Portugal, de que o irmão Pedro será supremo representante até à sua morte trágica (não revelada no romance); ora o papel de Mulher. MTH consegue, admiravelmente, por vezes ao nível do pormenor, harmonizar a descrição destes dois lados de Leonor de Almeida, não sem realçar – não raro – o violento confronto interno à consciência da biografada devido ao seu viso rebelde e aventureiro.
Em quarto lugar, biografia apaixonante pelo desenho social romântico da vida da biografada, apresentada como uma espécie de “escritora maldita” ou “mulher amaldiçoada” desde os juvenis dias de prisão no Convento de São Félix em Chelas, à oposição do pai, Marquês de Alorna, ao casamento da filha com o conde de Oeynhausen até à tristeza dos dias em Viena e à perseguição das ideias racionalistas da Marquesa de Alorna pelo Intendente-Geral da Polícia, Pina Manique, condenando-a ao exílio. É, assim, desenhado o perfil romântico, feito de rebeldia, sangue, perseguições, sofrimento, exílio, mesclados de optimismo, obstinação, sonho e obsessão pertinaz de quem sabe ser possuída pelas “luzes” (razão), lutando diariamente contra o obscurantismo tradicional português, canalizando para a poesia, já ao modo romântico, a síntese das suas vitórias e derrotas. Com efeito, como é destacado no romance, a poesia de Leonor de Almeida é das mais autobiográficas da história da literatura portuguesa.
Em quinto lugar, biografia apaixonante devido à estrutura narrativa apresentada, deveras singular no panorama geral do romance histórico português, mobilizando todos os recursos literários possíveis para a sua construção – a secção “Raízes”, dando conta da história recente da família (conflito entre o Marquês de Pombal e a família da biografada; relações adúlteras de Teresa de Távora com el-rei D. José…); a secção “Memórias”, juízo comovido da biografada sobre alguns factos da sua vida passada; a secção “Poesia” por que cada capítulo é introduzido; a secção “Diário”, refúgio de juízos íntimos de Leonor de Almeida; a secção “Cartas”, habitualmente indício de conflito social, mas também laço narrativo estabelecido com outras personagens; a secção “Monólogos”, fonte de reflexão íntima de cada personagem, mas também ponto de situação narrativa relativamente à personagem em causa; não conseguimos descortinar a função da secção “Angelus”.
Entre os múltiplos recursos narrativos mobilizados, conta-se a extraordinária apropriação de Lillias Fraser, famosa protagonista do romance com o mesmo nome de Hélia Correia, que, por sua vez, se apropriara da personagem Blimunda, de Saramago. Vai-se tecendo assim, ao modo de Helena de Tróia, o texto sanguíneo, mas luminoso das grandes personagens femininas da literatura portuguesa, entre as quais passa a pertencer doravante, como momento cintilante obrigatório, a insubmissa e pioneira Leonor de Almeida, elevada a esta categoria pela mão de sua neta, que operou uma fabulosa obra de ressurreição.
BIBLIOGRAFIA
Barreno, Maria Isabel, Horta, Maria Teresa, e Costa, Maria Velho da Costa (1972), Novas Cartas Portuguesas, Lisboa, Editorial Estúdios Cor
Klobucka, Anna, O formato mulher: as poéticas de Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner Andresen, Maria Teresa Horta e Luiza Neto Jorge, International Microfilms University, Ann Arbor, Michigan, 1992
Machado, Álvaro Manuel, Dicionário de Literatura Portuguesa, Lisboa, Presença, 1996
Magalhães, Isabel Allegro (1995), O Sexo dos Textos, Lisboa, Caminho
Martins, Teresa Valadão (2004), “Novas Cartas Portuguesas”: denúncia da condição feminina em tempo de censura, Lisboa, Universidade Aberta
Vidal, Duarte (1974), O Processo das Três Marias, Lisboa, Futura.
Miguel Real
últimos artigos de Miguel Real (ver todos)
- Eduardo Lourenço e Os Lusíadas - 2 de Março, 2024
- “Camões interpretado por Eduardo Lourenço” - 29 de Fevereiro, 2024
- Miguel Real, “Nova Teoria do Sebastianismo” (2014) - 15 de Novembro, 2023
- Miguel Real foi agraciado com Prémio Matriz Portuguesa – Cultura e Conhecimento 2023 - 13 de Novembro, 2023