Viagem pelos nomes da sexta-feira
Pois bem, hoje deu-me para levar o leitor a passear pelos nomes da sexta-feira por essa Europa fora. Não podemos ir a todos os lugares deste belo continente, mas já que começámos em Portugal, seguimos pela estrada até chegar a Badajoz, onde o nome do dia é…
Viernes
Não é difícil encontrar a origem do nome: vem de Vénus, essa bela deusa romana — deusa que, pelo Norte da Europa, tem uma congénere germânica de nome Freia. Esta tal Freia está aprisionada no nome do dia em inglês — «Friday» — e ainda no nome alemão — «Freitag».
Podíamos encontrá-la em mais línguas — mas não, não vamos dar um salto até ao Norte. Continuamos em Espanha e, antes de avançarmos na nossa viagem, uma surpresa: temos todos algum medo (pouco ou nada confessado) da famosa Sexta-Feira 13. Pois, em Badajoz, o dia que mete medo é a Terça-Feira 13… Coisas da vida e das fronteiras…
Já agora, sabe o leitor que o medo da sexta-feira 13 tem um nome clínico? É a perigosa «parascavedecatriafobia». Nem imagino o nome da doença de quem tem medo de dizer em público o nome da doença de quem tem medo da sexta-feira 13.
Avancemos, pois então. Chegamos a Barcelona, onde todos sabem muito bem que sexta-feira é «viernes», mas também pode ser…
Divendres
Este é o nome do dia em catalão — língua que tem a particularidade de ter todos os dias da semana a começar pela mesma letra: «dilluns», «dimarts», «dimecres», «dijous», «divendres», «dissabte», «diumenge». Como a letra «e» numa sílaba átona se lê como o nosso «a» fechado, este último nome, por exemplo, soa-nos a «diumenja».
Mas avancemos para lá da nossa bela península, não sem antes reparar que, em basco, o nome do dia se diz «ostirala» e, em galego…
Já voltamos ao galego.
Primeiro, o francês…
Vendredi
Um nome que tem algo a ver com o nome do dia em castelhano e em catalão — e que, se virmos bem, é uma inversão do nome catalão: a primeira sílaba do catalão avança para o fim da palavra, expulsando o «s». Os caminhos que estes nomes fizeram pelos séculos fora resultam nestas relações curiosas entre as línguas. Já no italiano…
Venerdì
Continuamos na senda do Dia de Vénus. Já que estamos em Itália, podemos lembrar-nos do nome latino deste dia: «Venĕris dies». Daqui vêm os vários nomes: uns deixam o vestígio do «dies» no final, outros no início, outros apagam-no — e nós, por cá, mudámos tudo de alto a baixo, muito por influência de Martinho de Dume, que não gostava dos antigos nomes pagãos.
Quem também mudou as voltas ao dia foi o sardo, língua em que o nome de sexta-feira é «chenàbura». Porquê? Não sei — e não temos tempo para investigar, pois estamos a chegar à Grécia, vindos do tacão da Itália. (Mas antes de darmos o salto, diga-se que, lá por Itália, o dia aziago é sexta-feira 17. O azar é sempre que o homem quiser.)
Παρασκευή
Que é como quem diz, «paraskevi». O significado literal é «dia da preparação». Curiosamente, o Dia de Vénus que deu origem a tantos dos nomes deste dia pela Europa fora teve origem na expressão grega «Ἀφροδῑ́της Ἡμέρα», ou seja, Dia de Afrodite. Ah, não é bom pensar que estamos no Dia de Afrodite?
Toca a passar mais uma fronteira…
Cuma
Na Turquia, sexta-feira é, simplesmente, «cuma», uma derivação turca da palavra árabe «الجمعة» («al-jumʿah»), que significa algo como «congregação» ou «reunião».
Há outra língua europeia onde esta palavra árabe também aparece: no maltês, onde sexta-feira é «il-Ġimgħa» — lembremo-nos que esta língua semítica é uma das línguas oficiais da União Europeia. Mais: lembremo-nos que esta língua europeia tem muito de árabe com umas roupagens italianas. Mas sobre o maltês falaremos noutro dia… Voltamos à viagem e, saindo da Turquia, chegamos a uma língua com outras letras.
პარასკევი
Já não estamos, para sermos precisos, na Europa. Mas, já que andamos por aquelas paragens, ficamos a saber como se diz sexta-feira em georgiano, essa língua de lindas letras redondinhas. A leitura da palavra? É algo como «paraskevi» — que já encontrámos na Grécia! As ligações perigosas entre idiomas vêem-se, por vezes, no som, outras vezes no aspecto das palavras — isto, claro, quando não temos de escavar para encontrar esses fios que ligam as línguas umas às outras.
Continuemos, pois, numa viagem que teria muito que contar, até Moscovo. Por lá, sexta-feira é…
Пятница
Ou seja, «pyatnitsa». Esta palavra está relacionada com o ordinal «quinto».
Há muitas línguas que usam os números para dar nomes aos dias da semana. No entanto, dividem-se em dois grupos: algumas — como o português — começam a contar no domingo; outras — como o russo — começam a contar a partir da segunda-feira.
Ou seja, no fundo, a nossa sexta-feira é a quinta dos russos.
Podíamos continuar pelo mundo fora. Mas ficará para outro dia. Voltemos, no entanto, à nossa península — desta vez, de avião, que já estamos cansados de tanta estrada.
E em galego?
Pergunto, então: em galego, como se diz «sexta-feira»?
Na verdade, há duas maneiras: aquela que é, hoje em dia, mais usada segue o nome da deusa romana, depois de uns quantos séculos de desbaste sonoro: «venres».
No entanto, na cabeça e na escrita de alguns galegos, conserva-se a forma antiga, introduzida por estas bandas do Ocidente da Península Ibérica por Martinho de Dume há muitos, muitos séculos: «sexta feira».
Aliás, algumas associações galegas fizeram uma campanha, há poucos anos, para recuperar essas formas. A campanha chama-se «Nós feiramos de segunda a sexta».
Nós, por cá, também feiramos de segunda a sexta e acabámos de dar uma volta pela Europa na última feira desta semana — pois, aqui ficam os meus desejos de bom fim-de-semana e muita sorte!
Este texto foi publicado pela primeira vez em 2018.
Marco Neves
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