União Africana faz 20 anos e analistas admitem que ficou aquém das expectativas

Redação, 01 fev 2022 (Lusa) – A União Africana (AU) foi oficialmente lançada em 2002 com a visão de construir um continente “integrado, próspero e pacífico”, mas, 20 anos depois, analistas concordam que a organização ficou aquém das expectativas, sobretudo na prevenção de conflitos.

A organização, cujos chefes de Estado e de Governo se reúnem entre 05 e 06 de fevereiro em Adis Abeba, foi proclamada na cimeira de Durban, na África do Sul em julho de 2002, para substituir a Organização da Unidade Africana (OUA), fundada a 25 de maio de 1963.

Segundo o site da UA, a decisão de refundar a organização pan-africana resultou de um consenso entre os líderes africanos de que, para concretizar o potencial de África, era preciso reorientar a atenção, que até então estava na luta pela descolonização e contra o apartheid, para a cooperação e integração dos Estados.

Como recorda o diplomata e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros António Monteiro, “ideólogo” das cimeiras entre Europa e África, a criação da UA resulta de “uma certa frustração” com a OUA, que não conseguira contribuir para a paz e a estabilidade interna do continente.

E a visão da UA, no início do milénio, segue “um bocadinho o caminho do que era União Europeia”, criando uma organização “líder do ideal pan-africano” que promovesse a estabilidade política e desenvolvimento económico, lembra.

Duas décadas depois, António Monteiro admite que existe “uma incapacidade da própria União Africana de realizar todos os objetivos”, mas sublinha que se pode olhar para o copo como estando “meio cheio ou meio vazio”.

Em entrevista à Lusa desde Adis Abeba, Steven Gruzd, diretor do programa sobre Governação e Diplomacia Africana no Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA, na sigla em inglês), lembra que havia “grandes expectativas” na UA, e admite que hoje existe “um pouco de desapontamento” com o que foi alcançado.

“Continua a ser um grande animal burocrático, muitas das práticas não mudaram desde os dias da OUA, (…) e a UA não foi bem-sucedida a prevenir conflitos. Houve muitos conflitos nos últimos 20 anos, alguns deles muito graves”, lamentou o analista.

Segundo Gruzd, isso deve-se em parte ao princípio da subsidiariedade, que prioriza o papel das organizações regionais, como a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ou a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para intervir nos conflitos nas suas regiões.

No conflito no norte de Moçambique, exemplificou, a UA preferiu não se envolver, mas apoiou o envolvimento da SADC.

A investigadora do Instituto para os Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês) Liesl Louw-Vaudran, em declarações à Lusa desde Joanesburgo, concordou que a UA não conseguiu cumprir o seu principal mandato, que era estabelecer a paz em África, atribuindo a responsabilidade à questão da soberania.

Ao contrário da UE, recordou, a UA não é uma organização supranacional, pelo que “não pode impor nada aos Estados-membros”.

“A UA é, em última análise, os seus Estados-membros e muitos deles não são Estados democráticos”, pelo que não aceitam intervenções que possam abrir precedentes, recordou.

A especialista admitiu que a UA não conseguiu assegurar paz e boa governação, nomeadamente nos quatro golpes de Estado recentes – Burkina Faso, Sudão, Mali e Guiné-Conacri, ou o caso do Chade, onde a morte do Presidente em 2021 levou a uma transição de poder anti-democrática.

“A UA é quase impotente. Só pode tentar mediar”, disse Louw-Vaudran, sublinhando no entanto que, “dadas as circunstâncias”, a organização “tem estado bastante bem”.

Na opinião da especialista, a UA é uma organização “muito mais forte do que era a OUA há 20 anos” e “tem feito muito quando se trata de questões do desenvolvimento”.

Também António Monteiro, embora admita que “a democracia continua a ser muito incipiente na maior parte do continente”, sublinha que a UA “fez um caminho notável, não só na tentativa de criar mais fatores de estabilidade, mas sobretudo no que diz o respeito à defesa dos direitos humanos”.

Gruzd sublinha em particular o desenvolvimento ao nível do empoderamento das mulheres, recordando que, em particular durante o mandato de Nkosazana Dlamini Zuma como presidente da Comissão da UA, houve grandes avanços nessa matéria.

A União Africana foi criada em 2022 e reúne atualmente 55 estados-membros, incluindo os lusófonos Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

A presidência da organização é rotativa entre países pelo período de um ano e a gestão executiva é assegurada por uma comissão constituída por um presidente, um vice-presidente e seis comissários, eleita para mandatos de quatro anos.

Os chefes de Estado e de Governo dos 55 Estados-membros reúnem-se anualmente em assembleia na sede da organização, em Adis Abeba, na Etiópia.

FPA // PJA – Lusa/fim

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