Vou dar três exemplos de falsos amigos galego-portugueses. Começo no «labrego», avanço pelo «grelo» e acabo nos perigos que se escondem na palavra «bico»…
Para assinalar o Dia Nacional da Galiza, que hoje se comemora (25 de julho), recupero um texto de 2020 sobre alguns desencontros linguísticos que, na verdade, só mostram a proximidade entre galego e português. Os falsos amigos são bem mais raros entre línguas distantes.
Muitos de nós conhecemos as palavras que nos enganam por serem demasiado parecidas. São os falsos amigos. Mesmo dentro de cada língua há muitas armadilhas: basta tentar usar «rapariga» ou «puto» no Brasil, só para dar dois exemplos (e nem me atrevo a falar do «gozar»). Aliás, até entre regiões do mesmo país há destes desaguisados.
Ora, há um tipo de falsos amigos pouco conhecido por cá. São os falsos amigos galegos. Afinal, oficialmente, o galego é a língua mais próxima do português — havendo muitos galegos que não se importam nada de afirmar, bem alto, que galego e português nem sequer são línguas diferentes (os palavrões, pelo menos, são quase iguais…).
Próximos como estão, não admira que haja uns quantos falsos amigos. Aqui ficam três…
«Labrego»
O primeiro falso amigo é muito inocente. Longe de ser para maiores de 18, é para todas as idades. A verdade é que é difícil encontrar portugueses que não se riam quando descobrem que, na Galiza, existe um Sindicato Labrego Galego.
Sim, um labrego, na Galiza, é apenas e só um lavrador. Já um labrego, em Portugal, até pode ser um lavrador — mas também há labregos fechados em escritórios ou vestidos de fato inteiro. Não consta que, por cá, se tenham organizado num sindicato.
A origem da palavra é a mesma — mas as palavras dão guinadas e, de repente, o que é banal em certo sítio é um insulto um pouco mais abaixo…
«Grelo»
A história ficou famosa, pelo menos entre quem liga a estas coisas. O município galego das Pontes promove anualmente um festival do grelo. Nada contra: comer verduras faz bem e um festival deste tipo só pode ser coisa boa.
O festival é coisa em grande, pois até tem um website — compreende-se que o município tenha decidido traduzir o tal website para espanhol a partir do original galego.
Abrande agora o leitor, como fazem tantos condutores ao passar por um acidente. Pois aquilo que aconteceu foi um autêntico acidente de tradução. Com feridos graves!
O nome do festival — ou da feira — era bastante claro em galego: «Feira do grelo».
Já a tradução para espanhol ficou, no website, com este lindo aspecto: «Feria clítoris».
Não contente, o texto continuava: «El clítoris es uno de los productos típicos de la cocina gallega.» — o que, imagino, deve surpreender bastante os peregrinos que chegam a Santiago…
O que se passou?
Bem, o município decidiu poupar na tradução (ah, não faça isso!) e foi ao nosso amigo Google Translate. Ora, a Google usava o português para alimentar o motor de tradução de galego para espanhol. Resultado? O inocente grelo galego deu uma guinada, transformou-se na palavra portuguesa e foi embater num muro a grande velocidade, deixando os responsáveis do município com as faces bem ruborizadas de vergonha.
Note-se, já agora, que a Google fazia isto porque o galego e o português estão mesmo muito próximos. Ora, lá está: a proximidade, por vezes, também nos prega umas rasteiras.
Algumas notícias sobre o caso saíram em jornais como La Voz de Galicia, JN ou The Guardian. Uma boa maneira de divulgar um festival…
«Bico»
E pronto, chegámos ao último falso amigo — e que falso amigo! Capaz de atrapalhar uma inocente conversa… Pois o que acontecerá a um galego que conhece uma portuguesa e lhe propõe um bico na despedida? Leva um estalo? Desatam a rir? Ou?…
A verdade é que, sem malícia, os galegos chamam «bico» e «biquinho» ao «beijo» e «beijinho». Vejam dois apresentadores atrapalhados a explicar o sentido português neste programa que a Televisão da Galiza emitiu — faz parte da série de vídeos que aproveita a transmissão dos Morangos com Açúcar para ensinar português aos galegos:
Note-se que nestes vídeos algumas formas portuguesas são apresentadas como mais genuínas (por exemplo, o infinitivo pessoal) — ou seja, os apresentadores usam o português para ensinar bom galego.
Não é curioso?
Feliz Dia da Galiza!
Marco Neves
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