José Eduardo Agualusa nasceu em Huambo, Angola, em 1960. Formado em Agronomia e Silvicultura, atuou por muito tempo como cronista do jornal “Público”, de Portugal, para o qual escreveu desde a sua fundação. Hoje, é colaborador de “O Globo”, da revista portuguesa “Ler” e do portal “Rede Angola”. Pai de três filhos, divide seu tempo entre a Ilha de Moçambique, no norte do país, Lisboa e o Rio de Janeiro. É autor de extensa obra, já traduzida para mais de trinta idiomas. Entre seus títulos, há poemas, contos, novelas e romances.
Lançado em 2004, “O vendedor de passados” ganhou o Independent Foreign Fiction Prize, em 2007. Nas palavras do autor, o romance foi inspirado em um sonho. Numa das cenas principais, ele se encontrava com um homem que dizia vender passados (sim, a árvore genealógica completa, com histórias, recordações, etc) aos novos ricos angolanos. Aí, a personagem já aparecia com o nome que conservou no enredo: Félix Ventura, um negro albino. Sucesso em seu país, o livro foi lançado no Brasil pela Editora Planeta em 2018. A leitura flui agradável, sedutora. É difícil largar o volume, que apresenta reflexões potentes sobre a memória, a verdade e o poder de recriá-la. O narrador é uma lagartixa chamada Eulálio, que vive na casa de Félix e que acompanha o seu trabalho e as sessões de atendimento aos clientes. Do tempo em que viveu como ser humano, Eulálio conservou algumas características da espécie, como o riso. O livro se passa no contexto da Guerra Civil Angolana (1975 – 2002) e pode ser lido como uma crítica ao contexto político e social de Angola no período.
Outro romance poderoso de Agualusa é “Teoria Geral do Esquecimento”, que conquistou o International Dublin Literary Award, em 2017, e foi um dos finalistas do Max Booker International Prize. Lançado no Brasil pela Editora Foz, em 2012, conta a história de Ludovica Fernandes Mamo, que decide fechar-se em seu apartamento em Luanda logo depois da proclamação da independência de Angola, intimidada pelas prováveis mudanças pelas quais passará o país. Aí, vive cerca de três décadas completamente isolada. É delicioso acompanhar as estratégias de sobrevivência que a personagem utiliza para manter-se afastada de tudo e de todos. E é impressionante como descreve os seus temores, na passagem intitulada “A substância do medo” (página 31): “Sinto medo do que está para além das janelas, do ar que entra às golfadas, e dos ruídos que traz. Receio os mosquitos, a miríade de insetos aos quais não sei dar nome. Sou estrangeira a tudo, como uma ave caída na correnteza de um rio. Não compreendo as línguas que me chegam lá de fora, que o rádio traz para dentro de casa, não compreendo o que dizem, nem sequer quando parecem falar português, porque esse português que falam não é o meu. Até a luz me é estranha. Um excesso de luz. Certas cores que não deveriam ocorrer num céu saudável. Estou mais próxima do meu cão do que das pessoas lá fora”.
Respeitado no mundo todo, José Eduardo Agualusa figura, ao lado de Mia Couto, Paulina Chiziane, Odete Semedo, Abdulai Sila e Pepetela na galeria de nomes incontornáveis a quem deseja conhecer a literatura africana de língua portuguesa que se escreve hoje.
Rogério Faria Tavares
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