A minha admiração pelo Jornal do Fundão (JF) vem de antes do 25 de Abril de 1974, quando, uma vez por semana, a caminho da Faculdade de Letras, saía do metro no Rossio para comprar, na papelaria ao lado do Café Nicola, um jornal estranho a Lisboa: o JF da semana anterior. Voltava a entrar no metro e seguia para a Faculdade. Vem desse tempo a minha admiração pelo JF e pelo seu fundador e diretor, António Paulouro. A necessidade que então me levava a comprar semanalmente o JF é justamente a mesma que, recebido pelo correio, me leva hoje guardar um pouco do fim-de- semana para o ler.
Era então, e é hoje, um jornal de causas, o que então, com exceção da causa política (vivia-se em ditadura e havia jornais em Lisboa que faziam dessa causa a sua razão de ser, como A República ou o Diário de Lisboa), era um elemento estranho na paisagem jornalística portuguesa, como hoje continua a ser. Recordo vagamente a grande causa do túnel da Gardunha, das diversas “Jornadas da Beira Interior”, cujos cadernos ou suplementos eu lia avidamente.
Recordo, sobretudo, como o jornalismo que era feito transformava as pessoas em personagens da notícia, o senhor João da aldeia tal, a senhora Amélia da Covilhã. Devia ser feito um estudo académico sobre o modo de proximidade da notícia no JF, desde então e até hoje, como Anabela Fernandes o fez para o tema do ambiente (O ambiente na imprensa periódica regional (1965 – 1994). Estudo de caso nos jornais A Guarda e Jornal do Fundão, Faculdade de Letras de Coimbra, 2006). Com efeito, o JF, então como hoje, quebra a formatação técnica e anónima da notícia e faz-nos sentir próximos daquele(a) sobre quem versa a notícia.
Depois, havia essa brisa de ar fresco cultural que vinha no suplemento “E etc”, que, inclusivamente, vencia a maioria dos suplementos literários de Lisboa, como bem se comprova pela publicação da compilação editada em 2019.
Tudo isto só fora possível por que à frente do jornal estava um homem bom: António Paulouro. Aliás, no editorial escrito para o primeiro número, de 27 janeiro de 1946, intitulado “Rumo”, pode vislumbrar-se tanto a sua personalidade de “homem bom” como ler o rumo que indicava para o jornal: “… o cumprimento dos deveres simples, ao amor à Terra Mãe, à solidariedade que devemos ao Homem nosso irmão”. E acrescenta: “No nosso posto estaremos, ao lado dos que trabalham e dos que sofrem, em fraterna compreensão que não é de hoje mas de sempre”. Rumo que se mantém.
Quando, em janeiro de 2013, Nuno Francisco assumiu o cargo, atualizando as secções do jornal, deu continuidade ao rumo que herdara. Ele o disse no seu primeiro editorial: “Neste jornal, as palavras querem-se lavradas na terra fértil do talento, querem-se palavras escritas contra os vendavais das adversidades, querem-se palavras forjadas na coragem. Para que elas possam perdurar. Tal como perduram aquelas que nos foram legadas. Tal como a nobreza de tantos que as escreveram”. Sim, não dúvida: o JF não só continua o mesmo como se atualizou mantendo a GRANDE CAUSA que motivou a sua criação há 76 anos: a defesa do Interior, da sua dignidade regional, a luta contra o despovoamento, o envelhecimento das suas gentes, da extorsão centralista dos serviços necessários à população, da defesa do ambiente (a “Terra Mãe” de Paulouro), da falta de igualdade de oportunidades de quem está nascendo no interior e sonha (e quer) um futuro à século XXI.
Na pessoa do Nuno Francisco, quero agradecer a toda a Redação e Administração do JF, a todo o seu pessoal, a HONRA que me deu de poder desempenhar a função de diretor honorário neste número tão especial. OBRIGADO.
Veja:
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Miguel Real
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