São Paulo, 08 jul 2022 (Lusa) – O escritor timorense Luís Cardoso acredita que Brasil e Timor-Leste, dois países tropicais colonizados por Portugal, têm muito em comum, sobretudo no que diz respeito ao imaginário que alimenta a literatura.
“Acredito que muitas das coisas que se passam em Timor têm a ver com o Brasil. Primeiro porque somos dois países tropicais, fomos colonizados pelo mesmo colonizador. Vocês [Brasil] emanciparam-se primeiro, o filho mais velho antecipou-se e nós emancipámo-nos mais tarde”, disse Luís Cardoso, numa entrevista durante a 26.ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, a maior feira literária do Brasil.
“Temos em comum muitas coisas, portanto, para além da história, [estas coisas] têm a ver sobretudo com o imaginário”, acrescentou.
O escritor timorense está apresentando aos brasileiros a sua mais recente obra, “O Plantador de Abóboras”, que o tornou no primeiro escritor do seu país a vencer o prémio literário Oceanos.
Na entrevista, Luís Cardoso destacou a possibilidade de o Brasil “se aproximar de Timor” porque o Brasil é maior e pode chegar junto de Timor-Leste e tentar uma nova aproximação, falou sobre a influência cultural brasileira mencionando o cantor Roberto Carlos e lembrou que este movimento de proximidade entre os dois países já aconteceu no fim da ocupação indonésia.
Usando como exemplo o seu último romance, o autor timorense frisou que os brasileiros podem agora, a partir da leitura do “O Plantador de Abóboras”, conhecer um pouco mais a história de seu país porque “o escritor não é um historiador, mas ele dá uma pistas para ele procurar a história de Timor-Leste e compreender.”
“Quando leio um escritor brasileiro tento primeiro ler em que contexto. O que aconteceu no Brasil nesta época. Se [o livro] fala dos anos 1960, se fala da propriedade da terra”, destacou.
Falando sobre autores brasileiros que admira, Luís Cardoso, que já havia declarado ser leitor de Jorge Amado, citou também Guimarães Rosa: “[Foi uma] descoberta enorme porque ao mesmo tempo vai inventando palavras novas que eu obviamente precisei de dicionário para interpretar, mas fui vendo que é uma realidade que está mais próxima de mim.”
“Ler agora o Itamar Vieira Júnior [autor do romance premiado ‘Torto Arado’] eu digo, assim: este livro eu gostaria de ter escrito, mas sobre Timor, porque está lá tudo, tudo que ele escreveu eu sinto como se tivesse acontecido em Timor-Leste. Eu poderia ter escrito este livro, mas a propósito do meu país, do que se passava na minha terra. Portanto, há esta afinidade que me faz próximo do Brasil”, acrescentou.
O autor fez questão de pontuar, no entanto, que não gosta de dizer que foi influenciado por algum escritor em especial porque seu trabalho será, sobretudo, influenciado pela literatura oral timorense que é sua grande referência.
“A literatura oral timorense é a grande referência que eu tento levar para a língua portuguesa que estamos a formar em Timor”, afirmou Luis Cardoso.
Neste ponto, o escritor timorense sublinhou que o Brasil tem, face a Timor-Leste, uma identidade já constituída enquanto no seu país os autores ainda estão a formar uma identidade e uma literatura nacional, que pensa deverá ser balizada no tétum e numa variante do português.
“Quando eu falo com os jovens timorenses, digo: ‘vocês têm um património enorme, de lutas, de tormentas, de heroicidade para construir uma grande literatura timorense’. Não precisamos ir buscar em outro sítio, não precisamos buscar só na ficção. A realidade é tão intensa, tão omnipresente, que podemos ir buscar aí. É uma questão de tempo”, explicou Luis Cardoso.
“Obviamente, não podemos confundir a ficção com a história. Na história estamos a falar de factos e serão os historiadores a fazerem a história. No caso da literatura […] o que nos poderemos fazer é construir as parcelas da história, é essa a nossa oferta. A nossa doação é construir esta grande história de Timor com factos e memória, porque a literatura é feita sobretudo de memória”, acrescentou.
Sobre sua participação na 26.ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, Luís Cardoso concluiu agradecendo o convite do Governo de Portugal, que patrocinou sua visita ao país sul-americano numa delegação de escritores que fazem parte da programação do Pavilhão de Portugal, país homenageado neste ano pela maior feira literária do Brasil.
Luís Cardoso nasceu em Kailako, no interior de Timor-Leste, que aparece por diversas vezes referenciada nos seus romances.
É autor de romances como “Crónica de Uma Travessia” (1997), “Olhos de Coruja Olhos de Gato Bravo” (2001), “A Última Morte do Coronel Santiago” (2003), “Requiem para o Navegador Solitário” (2007) e “O ano em que Pigafetta completou a circum-navegação” (2013).
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