Rio de Janeiro, Brasil, 21 mai 2019 (Lusa) – Autor de múltiplas canções reconhecíveis aos primeiros acordes ou às primeiras palavras, apaixonado por futebol, caminhante inveterado, nome maior das artes brasileiras – e mundiais -, Francisco Buarque de Holanda é, há décadas, um ícone do Brasil.
Nascido no Rio de Janeiro em 19 de junho de 1944, quarto de sete filhos do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista Maria Amélia Cesário Alvim, Chico Buarque venceu hoje o Prémio Camões, juntando-se a uma lista de conterrâneos galardoados com a distinção literária criada por Portugal e pelo Brasil que inclui, entre outros, Rachel Queiroz, Jorge Amado e Rubem Fonseca.
Entrevistado por José Nuno Martins, em Lisboa, em 1974, pouco tempo depois do 25 de Abril, quando o Brasil ainda estava sob ditadura militar, o texto da RTP começava com uma pergunta e uma resposta: “Haverá quem não conheça Chico Buarque de Hollanda em Portugal? Evidentemente que sim, toda a gente conhece esse menino tímido que um dia disparou com a banda por aí fora”.
O mesmo tom lê-se, décadas mais tarde, em textos de fora do Brasil: no espanhol El País, em 2015, escrevia-se que era difícil encontrar em Espanha quem tivesse uma palavra de mal a dizer de Buarque, enquanto o britânico The Guardian intitulava um texto sobre o autor de “Construção” com “o rei do Rio”.
“Chico é para os brasileiros o que John Lennon poderia ter sido para os britânicos, caso ainda estivesse vivo, ou o que Bob Dylan poderia ter sido para os americanos se ainda fosse entusiasmante. Em 40 anos como compositor e cantor, criou um tipo de legado musical que, num contexto europeu, apenas poderia ser reclamado por Jacques Brel”, escrevia o também britânico Financial Times, em 2004.
Sem se deixar levar pelas expectativas em torno de um trabalho musical e literário que já lhe valeu Grammys, prémios Jabuti e Oceanos (em 2010, quando o venceu com “Leite Derramado”, ainda chamado Prémio Portugal Telecom de Literatura), Chico Buarque admite que “é difícil ser o Chico quando as pessoas pensam que você é o Chico”.
“Quando você entra no teatro e acham que você é o Chico e que você tem de falar sobre a sua vida ou sobre a sua obra e tal. Porque você está distraído. Você não anda na rua e pensa: ‘Ah, sou o Chico Buarque’. Não passa pela cabeça do artista. A não ser que ele seja um louco e saia por aí, ‘Sou o Picasso, sou o Picasso’. Não faz parte das minhas preocupações isso de ‘o que vou dizer’ e ‘o que vou fazer’. É difícil, às vezes, dar entrevista e ter de ficar se explicando. Fora isso, não tenho queixas”, como disse à Rolling Stone brasileira, em 2011.
Na mesma conversa, Buarque lembrou Tom Jobim e João Gilberto como “os responsáveis” pela sua formação.
Alinhado à esquerda do espetro político, Chico Buarque disse, em janeiro passado, sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, que “com esses ministros, é preferível que Cultura não tenha ministério”, referindo-se à extinção daquela entidade, que foi diminuída para Secretaria Especial.
Para além da música e da literatura, Chico Buarque tem também obra reconhecida no teatro, com peças como “Roda Viva”, “Gota d’Água” e “Ópera do Malandro”.
“É difícil dissociar a trajetória de Chico Buarque como dramaturgo e compositor especificamente teatral do seu perfil mais amplo como músico, poeta e personalidade pública visceralmente engajada nas lutas por uma sociedade melhor. Por indiscutível que seja a posição de ‘Gota d’Água’ na moderna dramaturgia brasileira, por interessantes e poeticamente densas que sejam as suas músicas originalmente escritas para servir de suporte a obras cênicas, a importância maior da contribuição teatral de Chico reside na sua intrínseca coerência com a contribuição global que essa singular personalidade vem trazendo, através da sua excecional sensibilidade poética, ética e ideológica, para a vida cultural do país”, escreveu o crítico teatral Yan Michalski, citado pela enciclopédia Itáu Cultural.
O primeiro conto foi escrito aos 18 anos e enviado pelo pai ao editor literário da Folha de S. Paulo, mas só depois de lido em casa. Estreou-se como romancista com “Estorvo”, publicado em 1991, a que se seguiram “Benjamim”, “Budapeste”, “Leite Derramado” e “O Irmão Alemão”, em 2014.
“Tantas Palavras”, que reúne todas as canções e uma reportagem biográfica de Humberto Werneck, sobre o músico e escritor, “Querido Poeta”, com a correspondência trocada com Vinícius de Moraes, são outros títulos de Chico Buarque que começou a carreira nas letras com a produção para teatro.
“Roda Viva”, de 1967, foi a primeira peça por si escrita, a que se seguiu, em 1973, “Calabar – O Elogio da Traição”. Proibidas pela censura, as obras acabaram por se transformar em símbolos de resistência à ditadura militar brasileira. “Calabar” só chegaria aos palcos em 1979.
Entre um e outro título escreveu “Chapeuzinho Amarelo”, o seu único livro de literatura infantil. Datado de 1970, contou com ilustrações originais do cartoonista Ziraldo, que foi distinguido com o prémio Jabuti, por este trabalho.
“Gota d’Água”, o drama de um casal que se separa, data de 1975, e antecede a conhecida “Ópera do Malandro”, de 1978, última obra do escritor concebida para cena, um musical inspirado na “Beggars Opera”, de John Gray, e na “Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht e Kurt Weill.
Em 1981, publicou “A Bordo do Rui Barbosa”, poema escrito entre 1963 e 1964, com ilustrações de Valandro Keating.