O único grupo de dança de influência portuguesa Toja Bobu, o Gere Bue, que atua de 26 de dezembro a 1 de janeiro na vila de Sica, na ilha indonésia das Flores, está em risco de desaparecer, alertam os responsáveis.
Segundo um dos elementos e representante do grupo, Gregorius Tamela Carvallo, o estilo de dança Toja Bobu, tal como a procissão Logu Senhor, que atrai milhares de crentes na Semana Santa a esta vila das Flores, teve início em 1607, sob o reinado do primeiro rei católico de Sica, D. Alexius Alessu Ximenes da Silva.
Na sua busca pela vida eterna, o rei de Sica deslocou-se a Malaca, na Malásia, onde teve contacto com os portugueses que lhe explicaram que o céu podia ser alcançado através dos ensinamentos da religião católica e onde assimilou conhecimentos sobre a cultura e a língua portuguesas que trouxe depois para a aldeia.
A Toja Bobu, que para além de dança, inclui canções, com recurso a flautas e tambores, é uma representação teatral inspirada nos autos medievais portugueses que no Natal percorre a aldeia de Sica, numa espécie de Carnaval, desde a casa abandonada do rei até à casa do padre.
“O principal problema é o espetáculo, porque é numa língua diferente. Alguns dizem que é a língua portuguesa, outros dizem que é língua local”, explica o representante do grupo.
Gregorius Tamela Carvallo e Orestis Pareira, o elemento mais idoso do Gere Bue, com 73 anos, são os que melhor conhecem a tradição e que ao longo da entrevista vão perguntando o significado de palavras como “pintur” (pintor), ”oriwis” (ourives) ou “marchador” (mercador) e cantando em jeito de recordação.
“Ha muitos jovens aqui, mas o problema é que eles não estão interessados”, lamenta Gregorius Tamela Carvallo, acrescentando tratar-se de uma questão de dinheiro.
A história central do espetáculo do Gere Bue conta as peripécias de uma princesa mimada com muitos pretendentes de diferentes profissões e que acaba por casar com um mercador rico por este ter muito dinheiro.
Apesar de este não ser um enredo relacionado com a época natalícia, é encarado como um auto de Natal.
A peça começou a ser representada nos anos 90 – embora o grupo tenha sido formado em 1980 – e conta com 30 elementos, alguns deles com trajes de influência ocidental e máscaras.
De acordo com Orestis Pareira, “algumas pessoas fizeram sugestões de mudança” no espectáculo, mas os responsáveis quiseram manter a tradição portuguesa, bem como a língua que tem traços do português antigo.
O grupo preserva um livro – escrito pelo filho de Orestis Pareira e que não querem que seja reproduzido -, sobre a tradição da vila, onde existem dados sobre a história dos portugueses nas Flores e fotografias de caravelas e do foclore luso, e ainda sobre o Toja Bobu.
O orgulho na herança lusa é notório também no modo como vincam os seus sobrenomes de origem portuguesa e no cuidado com que preservam um dicionário Português-Bahasa Indonésia, compilado por Edmundus Pareira, que será o único existente.
Sica, que fica a 27 quilómetros da maior cidade da ilha, Maumere, é um dos principais locais para conhecer a influência portuguesa e a atividade missionária católica nas Flores.
Local de turismo, Sica é também conhecida pela qualidade dos seus ikats, tecidos feitos a partir de fios tingidos antes do processo de tecelagem num longo e paciente processo, que apresentam também vários motivos portugueses.
ANYN // PJA – Lusa/Fim
Fotos:
– O livro sobre a tradição da vila, onde existem dados sobre a história dos portugueses nas Flores e fotografias de caravelas e do folclore luso, e ainda sobre o Toja Bobu, na ilha das Flores, Indonésia, 30 de dezembro de 2013. A Toja Bobu, que para além de dança, inclui canções, com recurso a flautas e tambores, é uma representação teatral inspirada nos autos medievais portugueses que no Natal percorre a aldeia de Sica, numa espécie de Carnaval, desde a casa abandonada do rei até à casa do padre.
– Gregorius Tamela Carvallo (E) e Orestis Pareira (D) fazem parte do único grupo de dança de influência portuguesa Toja Bobu, o Gere Bue. ANDREIA NOGUEIRA / LUSA
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