Numa passagem por Lisboa, adquiri o livro Eduardo Antes de Ser Lourenço. Textos de Juventude, organizado por Luciana Leiderfarb (Gradiva, 2024). Sabia da sua existência, contudo só agora calhou cruzar-me com ele numa livraria. Atirei-me de imediato à leitura e vou a pouco mais de meio (são quase 450 páginas), mesmo quase a terminar a primeira parte, que recolhe o diário de 1940 a 1953. O título aparentemente estranho explica-se: inicialmente, Eduardo Lourenço assinava os seus escritos com o nome Eduardo de Faria (ele é Eduardo Lourenço de Faria).
O seu brilhante, frequentemente fulgurante (escrevo o termo sem hesitação) espírito revelou-se bem cedo. Que finura de inteligência, que fôlego de leitor e de capacidade crítica, e que elegante beleza de escrita! Um fora-de-série, figura ímpar na cultura portuguesa, infelizmente mais admirado do que lido, muito embora tivesse tido um público considerável a ler-lhe O Labirinto da Saudade que, sendo um grande livro, não é o melhor Eduardo Lourenço.
Que prazer encontrá-lo nestas páginas para mim desconhecidas na sua maioria (algumas delas foram publicadas aqui e ali, sobretudo no Jornal de Letras)! E que saudades me trouxeram de uma conversa com Lourenço!
Não resisto a duas citações que estão longe de ser o mais interessante do volume. A primeira é sobre a Coimbra do seu tempo. Como aconteceu a Eça e Antero, três quartos de século antes dele, Lourenço não cabia lá, muito embora tivesse tido mestres como Joaquim de Carvalho e Sílvio Lima (estranhamente, Lourenço confessou-me que nunca leu deste o Ensaio sobre o Ensaio, que por mim considero notável; mas Lourenço não ia muito à bola com o autor). Cito:
Trago Coimbra em mim como uma gravata mal posta.
Cidade estéril e ardente onde nada fazemos que o tempo guarde, mas onde acordámos para a angústia de saber o que não faremos. Todo o sonho da minha pátria se consome aqui há 600 anos. (p. 166)
A outra citação tem a ver com Antero e o salazarismo que reencaminhei para os meus patrícios açorianos:
Da última passagem nas ilhas de um ministro, de que a história não guardará sequer nome vulgar, resultou a supressão do nome de Antero de Quental na rua ao fundo da qual está o banco onde ele se suicidou. Coerentemente, esse analfabeto devia ter exigido a apreensão de Os Sonetos e a expurgação do poeta dos livros escolares. p. 224)
Desta eu não sabia. Pelo menos não me recordo de alguma vez a ter ouvido.
Onésimo Teotónio Almeida
Onésimo Teotónio Almeida
últimos artigos de Onésimo Teotónio Almeida (ver todos)
- A ler Eduardo antes de ser Lourenço - 26 de Outubro, 2025
- Um adeus a Álvaro Laborinho Lúcio - 24 de Outubro, 2025
- José Blanco, o Mecenas póstumo de Pessoa - 23 de Julho, 2025
- José Blanco, 91 – mais um amigo que parte - 23 de Julho, 2025

