Quando se fala em jazz norte-americano, vem-nos logo à cabeça os grandes nomes: Louis Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker… mas ao falar-se de jazz indiano, muitos perguntarão: o que é? Quem o toca? Como é possível existir na Índia, intérpretes ou mesmo compositores de jazz?
A verdade é que os há; e um dos grandes expoentes, ainda vivo e com 88 anos, chama-se Braz Gonsalves.
Braz é um dos muitos goeses que estudou nas então escolas paroquiais que existiram em Goa durante centenas de anos. Foi na escola paroquial de Neura, aos cinco anos de idade, que Braz começou a aprender solfejo. Estávamos em 1939. O método de ensino da música era o ocidental, que contrasta, e muito, com o sistema musical indiano. Como instrumentista, Braz começou pelo violino, mas quando quis aprender outros instrumentos, a ideia não foi bem recebida pelo mestre da paróquia onde estudava. No entanto, o pai que também era mestre de música, numa outra paróquia, ofereceu-lhe um clarinete que tinha comprado em segunda mão. Rapidamente acabou por fazer a transição que muitos clarinetistas fazem, para o saxofone.
Ser músico na época (e atrevo-me a dizer que, infelizmente, ainda hoje), não era uma vida fácil. Braz saiu aos 17 anos de casa e começou a sua vida profissional como clarinetista e saxofonista num circo em Bombaim. Aos 18, começa a tocar em bares e é aí que ouve pela primeira vez o jazz norte-americano. Estamos nos anos 50. A altura do bebop, depois do cool jazz… Até que uma noite Braz ouve John Coltrane. É neste momento que larga as amarras e se lança na criação de uma música com um cunho próprio.
Muitos foram os músicos da altura que saltaram para o cinema de Bollywood, onde a compensação financeira era muito aliciante, mas Braz não escolheu este caminho. Persistiu e acabou por dominar o instrumento, aprendendo primeiro saxofone alto, depois tenor e mais tarde ganhando um amor especial pelo som do soprano. É também durante esta fase que começa as primeiras experiências de fusão pelo rock/jazz e pelos ragas/jazz.
Muitas foram as viagens de Braz pela Índia tocando com Paul Gonsalves, Cat Anderson, Albert Mangelsdorff, entre muitos outros.
Em 1977 é convidado para tocar no Macau Jazz Festival e é aí que o Luiz Villas-Boas, um dos fundadores do Hot Club de Portugal, reconhece o talento de Braz. Logo o convida para participar no Cascais Jazz Festival, no ano seguinte, mas Braz tem ainda mais uma paragem: O Jazz Yatra, na Índia, onde também tocou Rão Kyao – altura em que ambos travam uma amizade que perdura até hoje.
Quando chega a Portugal, Braz já tem vários originais por sua conta: Nebulous, Deva Priya, Sarang são alguns exemplos.
Depois desta viagem de sucesso, vem uma tour pela Europa. Esta fase marca o final da sua carreira, através de um evento bastante dramático.
Na Alemanha, depois das gravações do último disco, Braz cai e parte o braço: “Senti que Deus falava comigo”. Não voltou a fazer soar o saxofone pelos caminhos do Jazz.
40 anos mais tarde, em 2019, encontro-me como ele, juntamente com a minha amiga Maria Meireles, num pequeno apartamento onde agora vive com a sua mulher Yvonne Gonsalves. Um apartamento pequeno, muito modesto, no primeiro andar de um edifício em Porvorim, a 10 minutos de carro da capital de Goa. Contamos-lhe os nossos planos: um musical que irá retratar a sua vida. Os atores e cantores são crianças e jovens entre os 10 e 18 anos, mas acrescentamos que gostaríamos de o ter mais uma vez em palco a tocar alguns dos seus originais. Conversa puxa conversa, ele entusiasma-se e acaba por aceitar o desafio. A notícia espalha-se rapidamente em Panjim (capital de Goa). A maior sala de concertos enche-se para ouvir Braz Gonsalves – 40 anos mais tarde. Com ele, tocam três dos seus colegas desses tempos: Karl Peters, Lester Godinho e Louis Banks.
Porque é que vos conto tudo isto? Bem, é que o Braz para além de se ter emocionado ao ver a sua história retratada por crianças e jovens de Goa, sentiu a alegria de subir ao palco depois de tantos anos e decidiu aceitar mais uma vez o nosso convite para tocar, desta vez em Portugal no dia 30 de Abril de 2022 no Hot Club de Portugal, para celebrarmos juntos e com todos os portugueses, o Dia Internacional do Jazz. Haverá um convidado especial – o seu amigo de longa data: Rão Kyao.
Penso que será um momento único, poder ouvir este expoente máximo do panorama musical, que soube fundir a música indiana e o jazz, dando-lhe um cunho muito pessoal.
Para quem tiver curiosidade aqui fica o trailer do concerto de 2019:
https://www.youtube.com/watch?v=wFREvjVeVao
Concertos:
30 de Abril 2022 – 15:30 – Hot Club Portugal, Lisboa (entrada livre)
4 de Maio 2022 – 21:30 – Reitoria da Universidade de Aveiro (bilhetes na plataforma BOL)
7 de Maio 2022 – 19:00 – Museu do Oriente, Lisboa (bilhetes na plataforma BOL)
Nalini Sousa
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