Está cá a Lídia Jorge. Veio à Universidade de Massachusetts – Amherst porque o Instituto Camões criou ali uma cátedra de Literatura Portuguesa com o seu nome, um significativo apoio (se bem que magro em termos financeiros) ao trabalho da Patrícia Ferreira, que se doutorou conosco na Brown (foi orientanda da Leonor), e tem dinamizado bastante o núcleo de Português naquele Departamento. Desde a aposentação do Francisco Fagundes, que lá lecionou durante quatro décadas, o ensino de Português estava em lume brando.
A Lídia chegou ontem à Brown, onde fala hoje, mas permanece até domingo, com uma ida no sábado a um colóquio na University of Massachusetts Dartmouth. Amanhã gravarei dois programas de TV com ela.
Ontem, ao almoçarmos no Faculty Club, notou que a ementa incluía chouriço e linguiça e expressou alguma surpresa. Expliquei-lhe ser comum depararmos com elementos da nossa gastronomia integrados nas ementas dos restaurantes das redondezas. Ficou então a perceber a estranha pergunta que lhe haviam feito no controlo de passaportes à entrada no aeroporto de Boston: Traz linguiça? A Lídia reagiu de cara atónita e o funcionário insistiu acrescentando um sorriso: Não traz linguiça na bagagem?
E mandou-a seguir.
Deve ter sido a brincar, pois a Lídia não tem propriamente ar de pessoa de carregar na mala os produtos frequentemente detetados na bagagem dos lusitanos tentando escapar ao controlo aduaneiro. Quando são apanhados, defendem-se jurando que por puro esquecimento não declararam o porte de alimentos.
A Lídia mantém a aparência que sempre lhe conheci. Encontrámo-nos pela primeira vez há precisamente 40 anos quando veio à Brown (esta é a sua terceira visita). Fui buscá-la ao hotel para jantar. Ao deparar com ela, saiu-me natural e espontaneamente o comentário: Mas você é ainda mais bonita do que nas fotos dos seus livros! Surpreendida, aceitou gracilmente o galanteio e saímos os dois para o restaurante.
A Lídia lembrava-se bem dessa minha saudação, contudo não avançou com confissões sobre se na altura pensou que eu estava a ser um palerma atrevidote armado aos cágados. A verdade é que não estava. A frase soltou-se-me genuína e sã.
Se fosse hoje, nestes tempos do politicamente correto, eu ainda seria acusado de assédio.
Onésimo Teotónio Almeida
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