Bissau, 21 jun 2025 (Lusa) – Na Guiné-Bissau é raro ouvir falar português, mas o meio académico do país lusófono acredita que está a crescer “como língua de oportunidade”, entre a predominância do crioulo e as mais de 30 línguas das etnias guineenses.
Há uma nova geração que “tem o português como uma língua não só da ciência, mas como uma língua de oportunidade”, afiançou à Lusa o professor Júlio Azevedo João da Silva.
O docente é coordenador da licenciatura em Língua Portuguesa e faz parte da comissão organizadora do primeiro Congresso Internacional do Ensino da Língua Portuguesa na Guiné-Bissau, que decorrerá, entre segunda e quarta-feira, na capital guineense.
Académicos e especialistas de vários países lusófonos vão debater e partilhar experiências sobre o ensino daquela que é língua oficial em convivência com as línguas maternas, concretamente o crioulo, e as línguas regionais, algumas das quais partilhadas por comunidades além das fronteiras nacionais.
Para Júlio Azevedo, “o português é fundamental na Guiné-Bissau, sem sombra de dúvida” porque é um código linguístico que partilham com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas também é um instrumento de acesso à ciência.
“É com a língua portuguesa que nós internacionalizamos o nosso ensino”, mesmo no ensino de outras disciplinas, como a matemática, a língua portuguesa figura como língua transversal”, apontou.
“Não há ensino sem a língua portuguesa”, vincou, acrescentando que é fundamental para o progresso dos guineenses “enquanto Estado, enquanto nação dentro do concerto das Nações”.
Porém, o uso da língua portuguesa na Guiné-Bissau “depende dos contextos”.
Em Bissau, sobretudo na comunidade académica, “a língua portuguesa está presente com muita força”, mas em casa, com a família é em crioulo ou noutra língua materna que se entendem.
“Eu, por exemplo com os meus filhos, eu falo a língua portuguesa, mas quando chega a minha mãe, se começa a falar comigo numa língua, aí eu entro neste código linguístico. É em função do contexto onde nos encontramos”, concretizou.
Entre os jovens, o docente acredita que “o caso já é diferente”, porque aí a promoção da língua “é um valor acrescentado”.
Há uma nova geração, enfatizou, que tem o português como uma língua não só da ciência, mas como uma língua de oportunidade.
“Estão a construir e estão a promover para os membros da família. O português passa a um outro estatuto, o estatuto da língua materna dessas crianças, desses membros da família, por exemplo dos novos professores, novos académicos”, afirmou.
A língua oficial e as línguas maternas “têm uma convivência sã, cada uma tem o seu espaço, a sua função e o seu estatuto”, considerou.
E na diversidade linguística da Guiné-Bissau há comunidades para as quais falar crioulo é falar português, o que para o professor faz sentido.
O crioulo, segundo explicou, tem a sua base, todo o léxico, na língua portuguesa” e por esta razão não tem “qualquer dúvida quanto à continuidade da língua portuguesa em paralelo com a língua crioula na Guiné-Bissau”.
Júlio Azevedo acrescentou que, mesmo aqueles que só falam crioulo ou as línguas maternas, “reconhecem algumas palavras em português, só que não conseguiram desenvolver um discurso em língua portuguesa”.
A presença do português varia na Guiné-Bissau “em função da localização em relação ao centro do país, Bissau, da irradiação de Bissau e de grandes cidades provinciais do país”, com menos falantes no interior.
O docente está confiante que “o estado da língua portuguesa na Guiné-Bissau está no bom caminho, está firme” e destacou a aposta na formação de professores.
Há mais de 20 anos que a Escola Superior Tchico Té tem uma licenciatura em Língua Portuguesa, que já formou “aproximadamente 500 professores de português”.
No próximo ano letivo, em setembro, está previsto o arranque da primeira edição do mestrado em língua portuguesa.
A evolução, disse, é evidenciada pelo número crescente de professores nacionais a lecionarem neste nível superior, além de que professores ali formados “vão para Portugal, Brasil, Cabo Verde”.
“Esta licenciatura tem mudado o rosto do nosso sistema de ensino”, afirmou.
Alguns estudantes chegam à escola “com alguma preparação fraca no domínio da língua portuguesa, a competência, sobretudo, da oralidade e da leitura”, num país onde predomina a língua materna, o crioulo, e as mais de 30 línguas regionais das etnias/tribos como fula, balanta, mandinga, manjaca, pepel, bijagós, biafada, mancanha.
Por isso mesmo criaram o ano preparatório, para dar condições aos estudantes menos preparados para que possam aguentar o ritmo de formação ao longo de quatro anos, disse.
O problema, apontou, vem dos níveis iniciais de ensino, com a falta de manuais e programas orientadores para o ensino do português, que tem permanecido focado na gramática e menos na oralidade e na compreensão.
HFI // MLL – Lusa/Fim
VEJA:
I Congresso Internacional do Ensino da Língua Portuguesa na Guiné-Bissau