Fernando Pessoa: nos 88 anos da morte do poeta

Fernando Pessoa foi internado no hospital de S. Luís dos Franceses, no Bairro Alto, em Lisboa, no dia 29 de novembro de 1935, e veio a falecer no dia seguinte, pelas 20 horas.

Segundo contam os seus biógrafos, opôs-se ao internamento e as suas últimas horas foram passadas praticamente só, apenas na companhia da enfermeira, do médico e do capelão; as suas últimas palavras foram “dá-me os óculos”.

O diagnóstico médico indicava “cólica hepática” associada a cirrose, muito provavelmente causada pelo consumo excessivo e prolongado de álcool, mas alguns estudos contestam esta ideia e defendem que a causa de morte poderá ter sido uma inflamação aguda no pâncreas.

  • Foi uma morte inesperada?

Fernando Pessoa morreu com 47 anos. Sobreviveu às doenças mais mortíferas da época, como a tuberculose ou as epidemias de gripe, pelo que se pode dizer que sim.

A morte, porém, não lhe era um tema estranho. Não apenas é um tema presente na sua obra como a perda de pessoas próximas causou-lhe um grande impacto, nomeadamente o suicídio do seu amigo Mário de Sá Carneiro e a morte da mãe.

Um dos aspetos mais interessantes da sua biografia é o contraste entre a amplitude e riqueza da sua obra com a pacatez e modéstia da sua vida. Era uma pessoa dedicada à poesia e à vida literária, tendo participado na fundação de revistas, em tertúlias, e nunca se preocupou com o que se pode chamar de riqueza material, cargos ou carreira. A sua principal fonte de sustento, além da pequena herança deixada pela avó, foi a atividade de tradutor.

Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, mas viveu a sua infância em Durban, na África do Sul. O seu conhecimento da língua inglesa levou-o a dedicar-se à tradução de correspondência de casas comerciais, e foi esta atividade que exerceu até ao fim da sua vida.

  • Quais os traços da sua personalidade?

Fernando Pessoa funde-se com os seus heterónimos, mas era um homem introvertido, melancólico, só. Apenas se conhece uma ligação afetiva, a Ofélia Queiroz, durante dois breves períodos da sua vida.

Viveu modestamente num quarto em Lisboa. Desprezava, aliás, o que se pode chamar de uma “vida normal”, aceite socialmente, como deixou bem expresso em várias poesias, nomeadamente de Álvaro de Campo, um dos seus heterónimos. Uma delas di-lo de forma clara, aliando este sentimento a um sentido de individualismo e solidão:

“Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos? Não me peguem no braço
não gosto que me peguem no braço.
Quero ser sozinho
Já disse que quero ser sozinho
ah que maçada quererem que eu seja de companhia”.

A morte de Fernando Pessoa

Nos 88 anos da morte de um poeta!
Ainda a propósito da morte de Fernando Pessoa (passam hoje 88 anos), envio uma fotografia incrível, do funeral do poeta.
Adolfo Casais Monteiro, no seu opúsculo “Fernando Pessoa e a Crítica” (Editorial Inquérito, 1952) refere o momento, capitalizando para a «Presença», de que Casais Monteiro fora co-fundador, o abrir caminho à evocação e consagração. Sim porque aquando da morte, apenas meia dúzia de palavras e pouco mais de presenças.
“… Enquanto o «Século« o enterrava como «escritor e poeta muito conhecido no meio literário», «O Diabo», declarava: «a sua obra, contudo, não obedeceu a um sentido nem disciplinado nem orientador de uma doutrina nem de um pensamento edificante de ambos os horizontes», o «Diário de Notícias» se limitava ao «poeta extraordinário« da «Mensagem» e o «Bandarra», ao «grande poeta nacionalista»…”
Apesar de tudo “…todas as pequenas famas que ganhou em vida (bem pequenas!) já eram muito mais do que ele poderia esperar: as que esperou? suponho que não esperou nenhuma…” Adolfo Casias Monteiro, em “Fernando Pessoa e a Crítica.
De resto, a foto é “O Momento!”. Luís de Montalvor, Alfredo Guisado, Almada Negreiros, António Ferro, Raul Leal, João Gaspar Simões, Moitinho de Almeida, António Botto, Carlos Queiroz, entre outros. Ao que parece, nem uma figura feminina. Outros ventos, outros tempos…
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
(30/11/2023)
Fernando Pessoa morreu há 88 anos

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