Escritor premiado Cláudio da Silva luta a partir das margens da arte contra a ganância

Praia, 18 out 2025 (Lusa) – O escritor Cláudio da Silva, prémio revelação literária UCCLA-CMLisboa, é um ator que sempre gostou de escrever e que nesta obra vencedora ressuscitou um Adamastor que trava a felicidade dos povos, como a ganância na sociedade portuguesa.

Natural do Huambo, em Angola, Cláudio da Silva é encenador, dramaturgo e ator de teatro e agora um escritor premiado com este galardão da União das Cidades Capitais da Língua Portuguesa (UCCLA) e da Câmara Municipal de Lisboa, apresentado na Praia, durante o XIII Encontro de Escritores da Língua Portuguesa, que decorre desde quinta-feira na capital cabo-verdiana.

A participação de Cláudio da Silva neste encontro significou também um regresso a África, quase cinco décadas após deixar Angola, de onde fugiu em 1978 com a família da guerra civil, com 4 anos.

“Isto é muito importante para mim, porque os meus pais nunca voltaram, a minha avó nasceu em Angola e morreu em Portugal sem nunca voltar a Angola, os meus pais também; o meu pai já está bastante doente, também não vai voltar. E de repente eu venho e sinto que venho com eles, de alguma maneira, e tudo isto é meio simbólico”, diz, em entrevista à agência Lusa.

O livro “Boi”, apresentado no encontro de escritores pelo escritor cabo-verdiano Germano de Almeida como um livro que “se lê com um sorriso”, resulta de um conjunto de textos que o autor reuniu para candidatar ao prémio.

Começa por introduzir a figura de Adamastor, o monstro marinho gigante da epopeia “Os Lusíadas”, de Camões, que simboliza os obstáculos ao desenvolvimento.

Claúdio da Silva vence Prémio de Revelação Literária

Na obra, Adamastor aparece durante as obras do Metro, em Lisboa, mas Cláudio Silva encontra-o em muitas situações da sociedade portuguesa.

“Este monstro, que é o Adamastor, que nos impede de fazer coisas, que nos assusta, que nos trava. Eu acho que muitas vezes acaba por ser um monstro da sociedade portuguesa”, diz.

E prossegue: “Parece que estamos sempre com uma potência qualquer, uma hipótese de chegar mais longe, de crescer como seres humanos, como sociedade. Há sempre uma espécie de regressão, algo que nos trava”.

Cláudio da Silva identifica esta existência com a voracidade da acumulação da riqueza, de querer sempre ter mais, de querer sempre ser mais rico, do crescimento da economia à custa de menos direitos, mesmo que à custa de mais precariedade no trabalho, de despedimentos.

Por isso questiona: “Para quê mais betão, como dizia o poeta, mais betão, betão, betão? E deixamos, ao mesmo tempo que acumulamos mais riqueza, de nos preocupar com a pobreza, com a miséria, continua a haver fome, continua a haver pessoas sem casa. Não faz sentido”.

O ator preocupa-se com o legado que a atual civilização vai deixar, de gente egoísta, gananciosa, ambiciosa.

“Será que nós vamos querer deixar essa marca de civilização que acabou com o mundo, que destruiu de forma definitiva o planeta, que regrediu em termos de direitos das pessoas, das mulheres”, questiona.

Cláudio da Silva acredita, contudo, que as ferramentas de que dispõe – o teatro, o cinema, a literatura – ainda podem enfrentar os poderosos, ainda que nas margens.

“A justiça deixou de valer. Esses ditadores violam os direitos internacionais, muitas vezes violam a Constituição; a comunicação social muitas vezes é conivente com isso. Toda essa gente perdeu o medo, porque de repente perceberam que dominando esses poderes estavam a salvo de tudo”, diz.

“Do que não estão a salvo é das margens e as margens vão sobreviver. Na margem vai estar a poesia, vai estar a música”, observa, acrescentando: “Vai haver sempre alguém curioso no futuro a procurar outro sítio, a procurar a margem, a descobrir outro pensamento. Isto é um tempo difícil, mas vai passar”.

Além deste prémio literário, Cláudio da Silva já recebeu outros galardões, como o prémio SP/RTP para Melhor Ator de Cinema, pela interpretação no “Filme do Desassossego”, de João Botelho (2011), e o Globo de Ouro SIC/Caras para melhor ator de Teatro, pela interpretação em “Se Isto é Um Homem”, de Rogério de Carvalho (2021).

Questionado sobre qual a arte com que mais se identifica, respondeu sem hesitar que é “artista”.

“Eu sinto-me mais artista, não me interessa o fim. É esta vontade de olhar o mundo, de refletir sobre o mundo, sobre o tempo em que vivo, sobre procurar a justiça, a democracia nas coisas que faço”, concluiu.

*** A Lusa viajou para Cabo Verde a convite da UCCLA ***

SMM // VM – Lusa/Fim

Foto de destaque: Caras

XIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa na cidade da Praia

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