Escrevi um livro, e agora?

Ao longo dos doze anos desde que saiu o meu primeiro livro, tenho recebido várias mensagens de pessoas que gostariam de publicar uma obra mas não sabem por onde começar. Tenho respondido a todas elas com o carinho de quem se lembra bem desses tempos de ignorância acerca do mercado da publicação. Mas porque, por vezes, se torna cansativo repetir a mesma história, mesmo que seja a pessoas diferentes, decidi escrever os passos todos, para futuros interessados. Um guia informal para publicar um livro.

1º passo EDITAR

Não há nada pior do que uma história mal escrita ou mal contada. Bem sei que, quando escrevemos, achamos que estamos a ser claros e, na verdade, estamos tão embrenhados na história e nas personagens que criámos, que podemos esquecer de dar contexto ao leitor. Por isso, antes de dar o nosso livro a ler seja a quem for, devemos imprimi-lo e relê-lo com muita calma, tentando detectar gralhas, imprecisões e corrigir sem medo o que tiver de ser corrigido (o que inclui deitar fora parágrafos inteiros se necessários for). Convém também usar o corrector ortográfico, porque um livro com erros normalmente vai directamente para o lixo.

2º passo LEITOR BETA

Todo o escritor tem de ter um (ou mais) leitor beta, isto é, aquela pessoa de confiança, que não tem medo de nos dizer as verdades. Deve ser alguém que leia muito e que saiba fundamentar as suas opiniões. Devemos ouvir essa pessoa com atenção e humildade, porque as observações que fizer e os erros que detectar podem ser os mesmos que um editor encontrará.

3º passo CORRIGIR

Sem medo de reescrever capítulos inteiros, sem medo de matar uma personagem secundária que não está ali a fazer nada, a correcção deve ser implacável. Agora sim, o manuscrito (ainda se diz assim, se bem que já ninguém escreva à mão) está pronto para ser avaliado.

4º passo INVESTIGAR

«Mas enviar para quem? Há tantas editoras!» Sim, por isso, devemos entrar numa livraria e procurar livros que sejam do género daquele que acabámos de escrever. Ou autores cujo estilo se assemelhe de alguma forma ao nosso. Temos de tomar nota da chancela e procurar o nome do editor, o qual, normalmente, se encontra na ficha técnica. Convém ter várias chancelas e editores a quem enviar porque, como já devem saber, raramente se consegue abrir uma porta à primeira. Muitas editoras têm nos seus sites na secção de contactos emails próprios para onde se devem enviar os manuscritos.

5º passo ENVIAR

Agora que já temos uma lista de editoras, respectivos emails ou moradas, devemos escrever um breve texto de apresentação, do género «Olá, sou a Filipa, e escrevi este livro que penso ser dentro do que vocês procuram na (nome da editora). Faz lembrar o livro X ou o autor Y e conta a história de (resumo em duas linhas no máximo). Junto envio a sinopse e as primeiras 20 páginas para vossa avaliação. Aguardo a vossa resposta. Com os melhores cumprimentos, XXX». E é isto. Curto e conciso, porque as pessoas que vão ler estas mensagens recebem dezenas delas por semana e não gostam de perder tempo.

Não é preciso enviar o livro todo. Se a editora estiver interessada, marca uma reunião. Ah, e podem enviar para todas ao mesmo tempo. A probabilidade de termos várias editoras a querer publicar o nosso livro ao mesmo tempo é remota, mas se acontecer até pode servir para nos dar vantagem na negociação do futuro contrato.

Também não precisam de se preocupar com a possibilidade de alguém vos roubar a ideia. Isso só acontece nos filmes. As editoras (tradicionais e estabelecidas) são empresas sérias.

6º passo ESPERAR

Devemos contar com, pelo menos, três meses de espera por uma reposta, que pode mesmo nunca chegar. A minha dica é marcar no calendário três meses da data de envio e, nessa altura, enviar um email a perguntar se já conseguiram chegar ao nosso livro. No caso de haver uma editora interessada, mas que era a nossa última escolha, podemos aproveitar para pressionar a nossa editora preferencial a dizer qualquer coisa como «tenho uma editora interessada, mas gostaria mesmo muito de publicar convosco, pelo que venho perguntar se já tiveram oportunidade de ler a amostra que vos enviei.».

Bem sei que é frustrante e irritante ter um livro escrito e pronto para conquistar o mundo e ninguém nos ligar nenhuma. Já estive nesse lugar. Mas por favor, não caiam no erro de dar o vosso livro a uma editora não-tradicional, isto é, qualquer empresa (nem se pode chamar editora) que vos peça dinheiro para publicar o vosso livro. Nenhuma editora a sério pede dinheiro a um autor, pelo contrário, por vezes paga-lhe um adiantamento na hora de assinar o contrato. No meu primeiro livro estive reunida com uma dessas empresas e quase me deixei enganar. Eles conseguem ser bastante persuasivos para quem não tem qualquer experiência. Porém, não se esqueçam de que, quando se publica nessas empresas, dificilmente se consegue dar o salto para as editoras tradicionais e a nossa credibilidade fica para sempre beliscada.

 

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Lá porque gostamos muito de escrever, não significa que possamos vir a ser escritores. É preciso ter talento, sim, mas também uma boa dose de sorte. Sorte de a pessoa que recebeu o manuscrito o ler com carinho e passá-lo ao editor certo; sorte de aquela chancela estar à procura de livros do género do nosso; sorte de o editor querer dar a cara por um autor totalmente desconhecido.

Um escritor tem de ser paciente (ou não estaria vários meses de volta de um mesmo texto), mas sobretudo resiliente. Conseguir publicar o primeiro livro pode parecer-nos um feito decisivo, o prenúncio de uma carreira fulgurante, mas, na verdade, é só mais um livro nas dezenas de livros que saem para a rua a cada mês. O mercado é difícil, pequeno e há autores que publicaram um livro e não conseguem publicar o segundo. Porque as editoras procuram talento, é certo, mas também procuram fazer dinheiro. Se um autor não vende, põe-se de lado e dá-se atenção ao próximo. É cruel, é injusto, mas assim também é a vida.

 

Quem não estiver preparado para a rejeição e para anos a lutar contra a maré, mais vale nem sequer começar este caminho. Que continue a escrever por prazer, partilhando os seus escritos num blog, retirando alegria da escrita. Costumo usar muito a metáfora do futebol. Há milhares de miúdos que adoram jogar futebol, jogam muito bem e se empenham muito nas escolinhas, sonhando vir a ser jogadores profissionais. Mas só alguns irão para a formação dos clubes, menos ainda chegarão a jogar na Primeira Liga e pouquíssimos irão um dia parar à Liga dos Campeões. Os outros vão continuar por aí, nos campos, jardins e recreios, a jogar por puro amor e diversão, até os joelhos aguentarem. Nunca serão jogadores de futebol profissionais, mas jogarão sempre futebol com alegria.

Espero ter ajudado. Se tiverem mais dúvidas coloquem aqui na caixa dos comentários e eu responderei actualizando este post.

 

Boa sorte e boa escrita.

Filipa Fonseca Silva

 

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