Pessoas observam a replica da nau Victoria durante uma recriação histórica do embarque da expedição de Magalhães e Elcano, no âmbito das comemorações dos 500 anos da expedição dos dois exploradores, realizada em Sanlúcar de Barrameda, Cádiz, Espanha, 20 de setembro de 2019. LUÍS FORRA/LUSA
Lisboa, 24 mai 2023 (Lusa) – Documentos sobre a primeira viagem de circum-navegação, de Fernão de Magalhães, entraram para o Registo da Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), anunciou hoje esta entidade.
A primeira viagem de circum-navegação, que aconteceu entre 1519 e 1522, consta da lista das 64 novas coleções inscritas no Registo da Memória, divulgada hoje pela UNESCO. Com a inscrição de mais 64 coleções, o Registo da Memória do Mundo passa a ter 494 coleções registadas.
A viagem, liderada por Fernão de Magalhães e concluída por Sebastian Elcano, é “um marco na História da Humanidade por várias razões”. “A mais evidente é que os homens que concluíram esta jornada foram os primeiros a dar uma volta completa à Terra”, lê-se no comunicado da UNESCO hoje divulgado.
A UNESCO destaca que a primeira viagem de circum-navegação “teve um impacto significativo no conhecimento geral da Humanidade, visto que tornou possível perceber a vastidão da América do Sul e do Oceano Pacífico, abrindo caminho para uma nova e mais concreta noção da dimensão da Terra”.
Os documentos, cuja candidatura foi feita em conjunto por Portugal e Espanha, “mostram a preparação da viagem, a relação complementar entre portugueses e espanhóis, bem como os primeiros testemunhos dessas descobertas”.
Criado em 1992, o programa da UNESCO Memória do Mundo pretende “prevenir a perda irreparável de herança documental – documentos ou coleções de documentos de valor significativo e duradouro, em papel, audiovisual, digital ou qualquer outro suporte”.
Através deste programa, a UNESCO “visa salvaguardar este património e torná-lo mais acessível ao público em geral”.
A inscrição de coleções no Registo de Memória do Mundo tinha sido suspensa em 2017, “devido a divergências entre os estados envolvidos no processo de nomeação”.
“Um importante esforço coletivo permitiu que o procedimento fosse redesenhado e as nomeações foram ‘relançadas’ em 2021. Em 24 de maio de 2023 resultaram na decisão unânime da direção executiva da UNESCO de inscrever 64 novas coleções documentais”, lê-se no comunicado hoje divulgado.
Entre as 64 coleções agora inscritas no registo, constam também o legado da bióloga, congressista e feminista brasileira Bertha Lutz, “Feminismo, Ciência e Política”, candidatado pelo Brasil, e os arquivos e manuscritos do Templo Kong Tac Lam de Macau.
Bertha Lutz (1894-1976) foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, criada em 1922, que “lutou por direitos iguais para homens e mulheres, pelo acesso das mulheres à educação e ao mercado de trabalho, e contribuiu para a conquista do voto feminino, garantido na Constituição de 1934”.
Já a coleção relacionada com o Templo Kong Tac Lam, “datada do final da Dinastia Ming até meados do século XX”, cuja candidatura foi submetida pela Região Especial Administrativa de Macau, na China, “inclui mais 6.600 volumes de arquivos e manuscritos em 2.300 títulos, livros raros, Escritura Bayeux, fotos antigas e pinturas”.
A lista hoje divulgada inclui ainda, entre outros novos registos na Memória do Mundo, os posters de cinema cubano, apontamentos escritos à mão e notas do escritor russo Fiódor Dostoievski (1821-1881), a coleção de obras do compositor arménio Komitas Vardapet (1869-1935) e o arquivo do compositor checo Antonin Dvorák (1841–1904), o arquivo fotográfico do jornal El Popular, órgão oficial do Partido Comunista do Uruguai, ativo entre 1957 e 1973, e os arquivos da escritora suíça Johanna Spyri (1827-1901), sobre a personagem Heidi, mais tarde popularizada numa série de animação com o mesmo nome.
Documentação sobre a vida de pessoas feitas escravas, nas antigas colónias francesas e holandesas, em diferentes registos, os materiais e o negativo do longo documentário “Shoah”, de Claude Lanzmann, sobre o Holocausto, e testemunhos da “Heritage of Babyn Yar”, sobre a ocupação nazi de Kiev, durante a II Guerra Mundial, e o massacre de mais de 30 mil pessoas, sobretudo de origem judia, nessa ravina da capital ucraniana, foram também incluídos agora no Registo da Memória do Mundo da UNESCO.
Portugal está presente neste registo desde 2005, com a inscrição da Carta de Pero Vaz de Caminha, tendo-se seguido, mais tarde, entre outros documentos, o Tratado de Tordesilhas (numa candidatura com Espanha), manuscritos das Descobertas, o roteiro da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, a documentação do primeiro voo Atlântico Sul, os manuscritos de comentário ao Livro do Apocalipse do Lorvão e de Alcobaça, o Códice Calixtinus (em conjunto com Espanha), e os livros de vistos concedidos pelo cônsul português em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes (1939-1940), que permitiram a fuga de judeus da perseguição nazi, na França ocupada pelas forças de Hitler.
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