Cozinheiros debatem gastronomia africana, que “ainda não é moda” em Portugal

Oeiras, Lisboa, 22 jun 2022 (Lusa) – A 18.ª edição do Congresso dos Cozinheiros, que decorre em 25 e 26 de setembro em Oeiras, debate a “Conexão Africana”, uma oportunidade para promover uma gastronomia que “ainda não é moda” em Portugal.

O congresso, que durante dois dias reúne profissionais e amantes da cozinha em torno de debates, apresentações, entrevistas, mas também degustações e música, pretende ser “uma oportunidade para aprender mais sobre a riqueza das pessoas, gastronomia e cultura africanas”, anunciou hoje Paulo Amado, da Edições do Gosto, que organiza o evento.

Apesar da ligação de Portugal com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), a gastronomia africana ainda é pouco divulgada e os cozinheiros desses países têm pouco destaque, concordaram os participantes num debate que antecedeu a apresentação do congresso.

“Ainda não se criou uma moda da comida africana. Ainda não se criou a verdadeira conexão”, considerou o ‘chef’ Bruno Oliveira, filho de angolanos.

Exemplo dessa falta de divulgação dos produtos africanos é, na sua opinião, a ausência de ingredientes como quiabos ou óleo de palma nas cozinhas de restaurantes distinguidos com estrelas Michelin.

Proprietário de restaurantes e bares em Lisboa, Hernâni Miguel, guineense que se define como ‘euro-africano’, detalhou que há 56 estabelecimentos de comida africana em Portugal, mas “a grande maioria das pessoas não conhece mais do que um ou dois”.

“Deveríamos ter mais ‘chefs’ com alguma notoriedade. As nossas cozinhas trazem um valor acrescentado”, comentou.

O ‘chef’ Vítor Adão, também descendente de angolanos, concordou: “Não percebo porque é que as pessoas de origem africana deixaram de estar nas cozinhas”.

Hernâni Miguel respondeu: “Os africanos eram muito maltratados nas cozinhas e preferiram ir trabalhar nas limpezas, em hotéis. As ‘mamãs africanas’ estão a ser substituídas por pessoas do Bangladesh, que vivem em Portugal em piores condições e com piores salários”.

Mas o empresário vê bons sinais: “A presença da cozinha africana já começa a ter alguma visibilidade, temos uma juventude que gosta de cozinhar”.

O investigador brasileiro João Ferraz recordou a ligação entre África, Brasil e Portugal, num novo olhar sobre o “triângulo atlântico, que foi motivo de muito sofrimento”, referindo-se aos escravos levados do continente africano para o Brasil.

“Apesar da crueza das relações, isso fez com que surgissem coisas novas. (…) Gerou um legado cultural que é grande”, por exemplo, com produtos alimentares e tradições a viajarem também entre os três continentes, comentou.

Na opinião de João Ferraz, hoje “o grande desafio do Brasil é não negar essa cultura e revalidar a presença das culturas africanas na sociedade”.

O também historiador assinalou que, “antes mesmo da gastronomia”, é a língua que liga os países lusófonos entre si.

Entre os oradores já confirmados do congresso, estão o são-tomense João Carlos Silva (“Roça São João dos Angolares”); a ganesa Fatmata Binta (Fulani Kitchen Foundation); Najat Kaanache (“Nur Restaurant”, Marrocos), ou Jeny Sulemange (“Cantinho do Aziz”, de origem moçambicana).

No âmbito do congresso, decorre no dia 26 a prova final para eleger O Melhor Pastel de Nata 2022, com 12 finalistas, e uma rota para dar a conhecer restaurantes de Oeiras, de 16 a 26 de setembro.

A organização prevê receber mais de mil visitantes durante os dois dias do encontro, que vão contar com 20 horas de apresentações e 40 oradores nacionais e internacionais.

Pela Câmara de Oeiras, Carla Gomes recordou que a cidade foi Capital Europeia da Cultura Gastronómica 2020-2021, um trabalho a que o município pretende “dar continuidade”.

JH // MLS – Lusa/Fim

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