Sobre a inevitável lei do esquecimento

Com as noites frias, as folhas das árvores aqui do bairro 
aperceberam-se de que estamos em avançado outono 
e começaram a portar-se à altura das suas antepassadas na Nova Inglaterra

Do Funchal, o amigo Duarte Barcelos enviou-me há dias o email abaixo, que vem com um anexo.

Um rato de bibliotecas como ele é, agora a navegar na Internet, descobriu algures essa graçola de há mais de 40 anos.

Na altura eram muito populares as leis de Murphy (Murphy’s Laws) (a primeira da série foi: Se é possível uma coisa correr mal, vai mesmo correr. Corolário: E isso acontecerá no pior momento possível).

Nos finais da década de 70, um tal Paul Dickson fez uma chamada nacional para desdobramentos dessa lei e eu enviei-lhe quatro. Só me lembro de duas porque ele incluia-as no livro The Official Rules (Mineola, New York: Dover Publications, 1979 – mas vejo que já vai em oito edições).

O livro está hoje disponível online: para aceder, clique aqui

Uma delas é essa que o Duarte Mendonça descobriu citada nesse jornal do Colorado e que incluo em anexo, pelo editor denominada de Lei Almeida das Recensões CríticasNenhum livro é tão bom ou tão mau como o seu recenseador afirma. Se ele disser que não é uma coisa nem outra, também não será isso.

Paul Dickson selecionou outra, que vai em anexo: a Lei Almeida do Esquecimento de Nomes: As probabilidades de nos esquecermos do nome de alguém são diretamente proporcionais à importância da pessoa e da necessidade de as termos de apresentá-la a outrem, vezes o nome de pessoas presentes.

Na altura (há 42 anos) eu já tinha o problema de me esquecer dos nomes das pessoas; daí me ter ocorrido essa lei. Mas a coisa piorou com os anos. A gaffe mais recente aconteceu há semanas. Falava eu na Academia das Ciências (via Zoom) e, ao ter que saudar o Secretário da sessão, o Professor Carlos André, da Universidade de Coimbra, esqueci-me do sobrenome e fiquei apenas em Carlos… Uma bronca que tive de ressalvar esclarecendo que éramos amigos desde 1984.

Mas há pior. Quando em 2018 fui à Casa de Mateus receber o prémio D. Dinis atribuído a O Século dos Prodígios, compareceu na sessão e jantar um grupo de pessoas que eu não esperava de todo, obviamente porque a sessão era presidida pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa e de modo nenhum por minha causa. No tormentoso momento de autografar livros (ninguém imagina como detesto essa situação, nem as cenas que faço para tentar lembrar-me do nome das pessoas), chega-se junto a mim uma pessoa que eu reconheci muito bem pois fora embaixador de Portugal nas Nações Unidas, mas que não revia há vários anos. Lá escrevi a dedicatória da praxe: Ao Embaixador Fernando Reyno, bla-bla-bla….. Dali a pouco, uma senhora veio ter comigo trazendo-me o livro aberto na página da dedicatória. Era a esposa. Desculpe, senhor professor: o meu marido chama-se António Monteiro.

Pois claro que era e eu sabia bem. Fernando Reyno tinha sido o embaixador antes dele, mas foi o nome que no momento me saltou para a ponta da esferográfica.

E agora? Nada a fazer. Infelizmente não havia ali por perto nenhum buraco onde eu pudesse enfiar-me. Se houvesse, eu teria desaparecido.

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Onésimo Teotónio Almeida

Onésimo Teotónio Pereira de Almeida - Natural de S. Miguel, Açores, é doutorado em Filosofia pela Brown University em Providemce, Rhode Island (EUA). Nessa mesma universidade é Professor Catedrático no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, bem como no Center for the Study of the Early Modern World e no Wayland Collegium for Liberal Learning. Autor de dezenas de livros. Alguns dos mais recentes: Despenteando Parágrafos, A Obsessão da Portugalidade, e O Século dos Prodígios. A ciência no Portugal da Expansão, na área do ensaio. Em escrita criativa: Livro-me do Desassossego, Aventuras de um Nabogador e Quando os Bobos Uivam. Co-dirige as revistas Gávea-Brown, Pessoa Plural e e-Journal of Portuguese History bem como a uma série de livros sobre temática lusófona na Sussex Academic Press, no Reino Unido. É membro da Academia da Marinha, da Academia das Ciências e doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro.
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