Margarita Correia*, publicado no DN de 24 de janeiro
A abrir a última semana de campanha eleitoral e depois de eu própria ter votado antecipadamente, decidi partilhar os resultados da minha leitura dos programas eleitorais (ou similares) dos principais partidos, no que respeita às línguas oficial (a portuguesa) e com reconhecimento oficial (a língua gestual portuguesa, LGP, e o mirandês). Limitei a análise (mas não a leitura) aos quatro partidos mais votados em 2019, PS, PSD, BE e PCP; como expressões de pesquisa, usei “língua”, “português”, “gestual portuguesa” (LGP), “mirandês” e seus sinónimos. O objetivo é apreender a importância que cada partido dá à(s) íngua(s) e à política linguística.
O PCP apresenta um Compromisso Eleitoral, onde enquadra as eleições de 2022 e reassume o Programa Eleitoral para 2019, de 114 páginas. Neste, “língua” surge cinco vezes, duas para preconizar o “ensino [gratuito] do português – Língua materna junto das comunidades emigrantes” e três em “valorização da língua e cultura portuguesas”. LGP e mirandês não ocorrem. Os documentos usam a norma ortográfica de 1945 (assim como o Compromisso Eleitoral do CDS-PP, de 14 páginas).
No Programa eleitoral 2022-2026, do BE, com 203 páginas, “língua” ocorre seis vezes, ligada ao reforço do ensino e do acesso à LGP, às comunidades imigrantes (línguas portuguesa e de origem, em ensino bilingue) e uma vez para referir o ensino gratuito de português a emigrantes de segunda geração.
O Programa Eleitoral 2022 do PSD, 165 páginas, nunca refere o mirandês ou a LGP; já a língua portuguesa é referida sete vezes e o documento contém um tópico intitulado “A língua”, que proclama: “O Português é a expressão da nossa identidade coletiva e da presença de Portugal à escala global, sendo que as diferenças no uso da língua portuguesa não a empobrecem (…). A tentativa da uniformização ortográfica não constituiu qualquer vantagem face ao mundo globalizado, pelo que o PSD defende a avaliação do real impacto do novo [??!!] Acordo Ortográfico” [sic] (o CDS-PP preconiza, com destaque, a sua reversão, e eu bem gostaria de conhecer algum estudo sobre a avaliação do seu impacto). Noutro parágrafo, iniciado por “Portugal não pode descurar nunca a Lusofonia” [sic], defende-se a realização de “esforços concretos (…) para a elevação do português a língua oficial das Nações Unidas” (só o PSD usa o termo “lusofonia”). As restantes referências reportam-se ao ensino básico e às comunidades imigrantes, e aos países africanos de língua portuguesa.
No Programa Eleitoral do PS, 122 páginas de texto compacto, a expressão de pesquisa “língua” ocorre 26 vezes. Fala-se da difusão e da interpretação nos serviços públicos da LGP; “mirandês” não ocorre. É claramente valorizado o papel da língua portuguesa na afirmação de Portugal no mundo, pela sua internacionalização, no âmbito do reforço da CPLP, nomeadamente na ligação ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa, das relações com a UNESCO e a OEI, sob supervisão dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e Cultura. É destacado o ensino do português, como língua materna e não materna (a emigrantes e imigrantes), em todos os níveis de ensino. O texto contém diversas propostas de ação concretas.
Muito mais haveria a dizer, claro, e a leitura deste texto não pretende invalidar (antes promover) a leitura dos programas eleitorais. A escolha cabe a cada um. O voto é livre e o seu exercício é um ato de cidadania.
- Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa