Escritora brasileira Adélia Prado vence Prémio Camões 2024

Lisboa, 26 jun 2024 (Lusa) – A poetisa brasileira Adélia Prado venceu o Prémio Camões 2024, anunciou hoje o Ministério português da Cultura, com o júri a considerar que Prado é “há longos anos uma voz inconfundível na literatura de língua portuguesa”.

Adélia Prado, nascida em Minas Gerais em 1935, “é autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética”, justificou o júri, que lhe atribuiu o Prémio Camões por maioria.

A escritora, que completa 89 anos em dezembro, formou-se em Filosofia, foi professora e estreou-se em 1976, já com 40 anos, com o livro de poesia “Bagagem”, apadrinhada por Carlos Drummond de Andrade.

Aliás, foi Carlos Drummond de Andrade que enviou os primeiros poemas de Adélia Prado para publicação na Editora Imago, tendo escrito: “Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo…”, como o júri do Prémio Camões hoje recordou.

Adélia Prado é autora, entre outros, de “O Coração Disparado”, distinguido com o Prémio Jabuti de Literatura, e “Terra de Santa Cruz”, e das obras de prosa “Solte os Cachorros” e “Cacos para um Vitral”, além do livro para a infância “Quando eu era pequena”.

Em 2014, foi condecorada pelo Governo brasileiro com a Ordem do Mérito Cultural.

Em 2016, saiu em Portugal “Tudo que existe louvará”, uma antologia de poesia organizada e prefaciada por José Tolentino Mendonça e Miguel Cabedo e Vasconcelos.

Esta é a 36.ª edição do Prémio Camões, instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988 e que é considerado o prémio de maior prestígio da língua portuguesa.

A intenção do prémio é homenagear um autor ou autora “que, pela sua obra, tenha contribuído para o engrandecimento e projeção da literatura em português”, refere o protocolo.

O júri desta edição do Prémio Camões foi constituído pelos professores universitários Clara Rocha (Portugal), Isabel Cristina Mateus (Portugal), Francisco Noa (Moçambique), Cleber Ribas de Almeida (Brasil), Deonísio da Silva (Brasil) e Dionísio Bahule (Moçambique).

O Prémio Camões, que em 2023 distinguiu o escritor e tradutor português João Barrento, tem o valor monetário de 100.000 euros.

SS // TDI – Lusa/fim

Foto de destaque: SAPO


PERFIL: Adélia Prado une divino e o quotidiano em poesia premiada

Redação, 26 jun 2024 (Lusa) – Quase 50 anos depois de se estrear como poetisa publicada, a brasileira Adélia Prado é distinguida com o Prémio Camões, que vai juntar ao prémio Machado de Assis, ao Jabuti e ao canadiano Griffin, entre outros.

Nascida em 1935, em Divinópolis (Minas Gerais), Adélia Prado estreou-se em livro com “Bagagem”, em 1976, obra apadrinhada por Carlos Drummond de Andrade, seu conterrâneo estadual a par de João Guimarães Rosa, que entregou os poemas dela ao seu editor e declarou que São Francisco estava a ditar versos a uma dona de casa em Minas Gerais.

Foi a primeira da sua família a ver o oceano, a estudar na universidade e a sonhar escrever um livro, pode ler-se na biografia de Adélia Prado publicada pela organização do prémio Griffin, que lembra que a escritora estudou Filosofia e Educação Religiosa na universidade local e deu aulas até 1979, tendo sido nos anos 1980 adida cultural da cidade onde ainda vive.

A mesma biografia recorda que, em 1998, o Jornal de Poesia da Biblioteca Nacional fez uma sondagem junto de intelectuais brasileiros sobre quais os 20 mais importantes poetas do país e Adélia Prado ficou em quarto lugar.

Hoje, a sua influência é sentida além-fronteiras, quer do Brasil quer da região. Em 2014, ganhou o prémio Griffin, o mais importante galardão atribuído a poesia no Canadá e um dos maiores do mundo, enquanto a escritora argentina Maríana Enriquez abriu o seu mais recente livro (“Um Lugar Luminoso para Gente Sombria”, 2024) com uma citação de Prado: “Hoje me deu tristeza, sofri três tipos de medo acrescidos do fato irreversível: não sou mais jovem”.

Na rede social Instagram, Adélia Prado lê poemas e recebe dezenas de milhares de ‘likes’, respondendo a perguntas como qual é o seu salmo preferido da Bíblia.

“Mística e poesia são braços do mesmo rio. Deus me deu o segundo, mas a fonte é a mesma, o Espírito Divino. A despeito de si mesmo, o poeta ateu entrega o ouro em sua poesia. É simples, rigorosamente ninguém é o criador da Beleza (poesia). Ela vem, eu diria como Guimarães Rosa, da terceira margem da alma. O poeta é só o ‘cavalo do santo’, queira ou não. Às vezes, somos tentados a desistir quando descobrimos que ela, a poesia, é muito melhor que seu autor. É a tentação do orgulho. Que Deus nos livre dela”, disse, numa entrevista ao Estado de S. Paulo publicada em 2014.

Num mesmo poema, Prado consegue reunir a metafísica da beleza da vida e os apetites do marido. Fruto dessa capacidade, José Tolentino Mendonça e Miguel Cabedo e Vasconcelos escreveram, no prefácio à antologia editada em Portugal em 2016, que “Adélia provoca escândalo. A expressão cultural, como avisam as diversas tradições litúrgicas, é intimamente corporal”.

“O religioso sem corpo é triste, incompreensível e anímico, porque é com o corpo que se ama a Deus. O corpo é que nos abre, como janela, para a transcendência: Deus só é experimentável a partir do corpo e na relação com o corpo. A poética de Adélia Prado é, por isso, escandalosamente erótica, porque é, talvez mais ainda, escandalosamente sacramental”, escrevem, na introdução da obra.

Numa entrevista publicada pela Biblioteca Pública do Paraná, em 2016, perguntavam a Adélia Prado como gostaria que a sua poesia fosse vista no futuro: “Como foi vista em seu começo”.

Em Portugal, Prado tem publicados “Bagagem” (2002), “Solte os Cachorros” (2003) e a antologia “Com licença poética”, com seleção e prefácio de Abel Barros Baptista, todos pela editora Cotovia. Em 2016, a Assírio & Alvim lançou a antologia “Tudo que existe louvará”, organizada e prefaciada por José Tolentino Mendonça e Miguel Cabedo e Vasconcelos.

TDI // MLL – Lusa/Fim

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