Economista Carlos Lopes vê na fragmentação ocidental uma oportunidade para África

Marraquexe, Marrocos, 03 jun 2025 (Lusa) – O fim do consenso entre os países ocidentais deve ser aproveitado por África para fazer reformas internas e exigir que as políticas macroeconómicas internacionais deixem de penalizar o continente, afirmou o economista Carlos Lopes.

“Esse espaço de manobra pode ser positivo se a África o aproveitar”, disse à agência Lusa, à margem da conferência Ibrahim Governance Weekend (IGW) 2025, organizada pela Fundação Mo Ibrahim, que termina hoje em Marraquexe.

Durante três dias, entre 01 e 03 de junho, políticos, académicos e ativistas debateram sob o tema “Alavancar os recursos de África para colmatar o défice financeiro”, sobre como podem os países africanos mobilizar-se para acelerar o desenvolvimento social e económico num contexto internacional de declínio da ajuda externa.

Até agora, lembrou Lopes, os países ocidentais prestavam assistência e ajuda a África sob uma série de condições, nomeadamente o respeito de regras internacionais e até “morais” a nível político.

No entanto, as divergências entre os Estados Unidos e a União Europeia dão a África “mais espaço de manobra”, disse à Lusa o professor honorário na Escola de Governação Pública Nelson Mandela da Universidade da Cidade do Cabo.

“Ninguém pode dizer que é assim que se fazem as coisas, porque toda a gente está a fazer o que não deveria, entre aspas, em termos de regulações internacionais. A guerra de tarifas é um bom exemplo. É contrário a todas as normas da Organização Mundial do Comércio”, vincou.

Na sua opinião, “se os Estados Unidos, que são a principal economia mundial, o fazem, não podem exigir nessas organizações que os países mais vulneráveis respeitem as regras do jogo”.

O economista da Guiné-Bissau, que foi orador em vários painéis da conferência, salientou que os Estados Unidos só representam 19% das exportações africanas, menos do que os cerca de 28% da União Europeia (UE).

No entanto, a UE tem vindo a perder terreno para a China, a qual, por sua vez, terá sido ultrapassada nos últimos anos pelos Emirados Árabes Unidos (EAU) em termos de volume de investimento em África.

Neste contexto, África deve passar a atuar de forma transacional, “contar com as suas próprias forças e negociar com todos em pé de igualdade”, sem escolher amigos preferenciais.

“Este é um período de oportunidades, mas tem que ser utilizado. Se não for utilizado, passa”, avisou, vincando que “agora é o momento de apostar no continente”.

Uma das reformas, exemplificou, é mobilizar investimento interno africano, dos fundos de pensão e fundos soberanos, que até agora têm optado por colocar os seus ativos e investimentos fora da África.

Outra mudança que deve impor, acrescentou, é fazer com que a “discussão de políticas macroeconómicas não seja tão penalizante para a África como foi até agora, porque acabou a ortodoxia”.

O antigo secretário-executivo da Comissão Económica para África das Nações Unidas (UNECA na sigla inglesa) e enviado especial para a União Africana já vê alguns progressos na atitude dos países africanos.

O estabelecimento da zona de livre comércio em plena pandemia covid-19 “é uma indicação de forte vontade política”, com 90% das tarifas harmonizadas internamente, e “um passo gigantesco em relação à situação de há 10 anos atrás”, enfatizou Lopes.

Protocolos na área da livre circulação das pessoas, dos serviços e do comércio eletrónico,”que estavam mais ou menos dormentes, estão agora a serem implementados a mais rápida velocidade”, acrescentou.

Carlos Lopes admite que a falta de consenso e unidade entre países africanos é um risco, mas este é partilhado com outros blocos, como a União Europeia, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) ou o Mercosul.

*** A Lusa viajou a convite da Fundação Mo Ibrahim ***

BM // MLL – Lusa/fim

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