Violência converteu Mondelane em professor que dá aulas a crianças deslocadas

Mahate, Pemba, 08 abr 2021 (Lusa) – A violência fez de Mondelane João deslocado em Pemba, um professor da primária que reencontrou a família, adaptou-se a uma vida diferente e dá aulas às crianças que, como ele, foram forçadas a fugir de casa.

Mondelane João, de 27 anos, saiu do distrito de Muidumbe, em Cabo Delgado (norte de Moçambique), em novembro do ano passado, quando os terroristas entraram na região.

“Tinha uma viagem para Pemba. De repente, quando saí da minha aldeia, que é em Muambula, fui até ao cruzamento de Muatide, quem vem de Namacande, que é a sede do distrito, diretamente para a estrada que vai para [o distrito de] Mueda. Quando cheguei a Muatide, esses grupos armados estavam no cruzamento. Não voltei mais, fui diretamente até Mueda”, descreveu.

À Lusa recordou que ficou sem saber da família até ao final do mês de novembro, que estava separada na aldeia, uns na ‘machamba’ (horta), outros em diversas atividades, quando os terroristas entraram em Muidumbe.

Quando chegou a Pemba não perdeu tempo e começou imediatamente a tentar contactar e encontrar os familiares.

“Andei a comunicar até conseguir salvar a minha família”, contou.

Reunida a família, colocou-se um outro desafio: o de refazer a vida, mas “não está fácil”, já que a fome e a cólera são um problema presente.

Voltar a Muambula é um desejo, mas não está nos planos a curto prazo.

“Gostaríamos de voltar à nossa aldeia, mas não temos como. Quase a maioria [das pessoas] que saíram de lá gostariam de voltar”, lamentou.

O professor conversava com a agência Lusa durante os minutos finais do intervalo entre as aulas de uma das escolas primárias do bairro de Mahate, em Pemba.

Com oito salas de aula, distribuídas por três barracões, esta escola é frequentada por quase 2.000 estudantes do ensino básico, dos quais 500 são crianças deslocadas, identificáveis pelos saquinhos cor de laranja e as máscaras feitas de capulana.

Mondelane João está encarregue de ensinar 60 crianças, cinco delas deslocadas dos distritos de Muidumbe, de onde o professor é natural, Mocímboa e também de Palma.

Ser bilingue é imprescindível para conseguir ensinar as crianças deslocadas pela violência desencadeada há mais de três anos em Cabo Delgado, uma vez que há muitos alunos que apenas falam as línguas maconde, quimuane e macua.

A língua não é obstáculo, mas a falta de espaço dificulta a aprendizagem, ainda para mais em plena pandemia.

Jovens estudantes segurando sacolas contendo material de apoio da ONG Helpo durante uma aula ministrada por Mondelane João na escola primária de Mahate em Pemba, Cabo Delgado, Moçambique, 08 de abril de 2021. A violência desencadeada há mais de três anos na província de Cabo Delgado aumentou novamente há cerca de duas semanas, quando grupos armados atacaram pela primeira vez a cidade de Palma. JOAO RELVAS / LUSA

“As salas são poucas, os professores são muitos, os alunos são muitos. Há salas em que entram dois professores ao mesmo tempo, o que não pode ser, porque estamos em momento de epidemia. A orientação não era essa. Estamos a tentar evitar a doença”, explicitou.

Pelas 10:30 a maioria das crianças já se encontrava à porta das respetivas salas de aula. Nesta escola não há campainha para as avisar, mas não era necessário. Apenas um grupo de cerca de 14 alunos estava debaixo de uma árvore, a abrigarem-se do sol enquanto aguardavam pela entrada da professora.

Apesar de ter ultrapassado em demasia a lotação, um voluntário do projeto Karibu, que ajuda na integração escolar das crianças deslocadas, referiu que no bairro de Mahate deverá haver cerca de 7.000 crianças que fugiram de umas das zonas de conflito que ainda não têm acesso à escola.

As que têm nem sempre vão além da primária, porque a secundária mais próxima está a seis quilómetros.

A violência desencadeada há mais de três anos na província de Cabo Delgado ganhou uma nova escalada há cerca de duas semanas, quando grupos armados atacaram pela primeira vez a vila de Palma, que está a cerca de seis quilómetros dos multimilionários projetos de gás natural.

Os ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando uma crise humanitária que atinge cerca de 700 mil pessoas na província, desde o início do conflito, de acordo com dados das Nações Unidas.

O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou na segunda-feira o controlo da vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia, mas as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas reassumiram completamente o controlo da vila, anunciou na segunda-feira o porta-voz do Teatro Operacional Norte, Chongo Vidigal, uma informação reiterada esta quarta-feira pelo Presidente moçambicano, Filipe Nyusi.

Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater estes insurgentes, mas, até ao momento, ainda não existiu abertura para isso, embora haja relatos e testemunhos que apontam para a existência de empresas de segurança e de mercenários na zona.

AFE // JH – Lusa/Fim

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