Caracas, 29 mai (Lusa) – A padaria Ângela é uma das mais antigas da capital da Venezuela e o dono é Diamantino Araújo, de Aveiro. Nas últimas semanas, a produção caiu para metade. Falta a farinha e o pão nas prateleiras.
“Em média fazia diariamente 12 sacos de 45 quilos de farinha e agora estou a fazer quatro. Aos fins de semana não dava vazão a isto”, explicou à Lusa o empresário, em Caracas.
A preocupação é visível na cara de Diamantino Araújo, a viver num país que quase todos os dias aparece nas notícias em todo o mundo devido às filas à porta de supermercados semivazios ou pelas manifestações, mais ou menos violentas.
Na Venezuela, há muitos portugueses que vivem do pequeno comércio, como Diamantino Araújo. Também há fábricas paradas ou semiparadas. A culpa é da falta de bens e da crise económica que abala o país.
A crise afeta todos. A fábrica de enchidos Castelo Branco reduziu a metade a sua produção e despediu quase 80 empregados, afirma o seu administrador, o português Osvaldo Freitas, a viver há 50 anos na Venezuela.
“Chegámos a produzir 700 toneladas, mas agora estamos pelos 60% da produção”, acrescenta. O problema, mais uma vez, “é conseguir ingredientes e matérias-primas, que são importadas”.
O bolívar, moeda nacional, pouco vale nos mercados internacionais, criando uma espiral de inflação insuportável para um país que pouco produz além do petróleo. Tudo o resto é importado.
A crise mudou o quotidiano daquela que é uma das principais empresas de portugueses no país. A fábrica “tem que ter gente todos os dias à procura de matéria-prima” e criou “um departamento de compras e de procura, que hoje é o que trabalha mais”, afirmou.
O preço do petróleo está na ordem dos 50 dólares do barril, depois de meses com valores ainda mais baixos num país que tem dos custos mais elevados na sua extração. A moeda depreciou-se em mais de 93% nos últimos dois anos, prejudicando a compra de bens no estrangeiro. E a crise interna levou ao aumento do desemprego e da insegurança.
“A recessão no mercado também é importante, as vendas baixaram devido ao alto custo que estão ficando os produtos e agora temos um problema adicional que é a falta de luz na zona (da fábrica), por blocos de quatro horas diárias e isso faz que a produção tenha problemas”, salienta Osvaldo Freitas. A empresa foi fundada por quatro emigrantes em 1974, tem uma fábrica com 6.000 metros quadrados em Charallave, a 30 quilómetros a sul de Caracas, e uma área de produção de quase 3.500 metros quadrados.
Apesar das dificuldades, os sócios mantêm-se confiantes no futuro: “Há dificuldades no país. Temos esperança que vamos superá-las, não apenas como industriais, mas também pessoalmente. Temos fé que o futuro será melhor.” Até porque Osvaldo Freitas já não quer voltar para Portugal – é casado com uma venezuelana, tem dois filhos venezuelanos.
Proprietário de um pequeno restaurante em Caracas, Manuel Brás, 52 anos, debate-se, todos os dias, com a luta diária para ter os produtos para a ementa.
“Neste momento não tenho arroz, nem massa. Um amigo prometeu-me conseguir alguns quilos, acredito que será nos ‘bachaqueros’ [vendedores do mercado negro], mas estou sem nada”, desabafa.
A crise é tal que o obrigou a mudar as receitas. “Há dias optei por vender os pratos de carne acompanhados com mandioca cozida ou frita”, explica.
O preço dos produtos está sempre a subir. Há duas semanas, comprava carne de vaca a 3.200 bolívares (211 euros à taxa de câmbio oficial) por quilo. Hoje, só consegue adquirir, a preços entre 4.500 e 5.000 bolívares (entre 300 e 330 euros) por quilo.
A memória dos violentos confrontos de 1989 está presente em muitos emigrantes. As manifestações e os confrontos contra a crise económica, durante o governo de Carlos Andrés Pérez, causaram duas centenas e meia de mortos em todo o país, em especial na capital.
A angústia é agora cada vez maior. “Tenho medo que em qualquer momento a população se revolte e aconteça algo pior”, disse o dono do restaurante.
Na padaria Ângela, criada há mais de 50 anos, as filas são permanentes e o empresário quer dar resposta aos pedidos. Mas a crise sente-se e vê-se nas ruas de Caracas. Em cartazes improvisados. Na padaria Ângela, lá está o letreiro: “Desculpem, não há pão por falta de farinha.”