Providence, Rhode Island, Estados Unidos, 30 jan (Lusa) – Cerca de dois mil documentos sobre Fernando Pessoa, encontrados num baú na África do Sul, no verão passado, que incluem poemas, cartas e até um livro, estão a ser estudados na Universidade de Brown, nos Estados Unidos.
A doação a esta instituição dos documentos, que pertenceram ao investigador britânico Hubert Jennings, especialista no escritor português, pode causar surpresa, mas já nos anos 1970 a universidade de Nova Inglaterra se começava a transformar num dos centros de estudos pessoanos mais importantes do mundo.
“Organizámos em 1977 o primeiro congresso internacional sobre Fernando Pessoa, de que resultou o primeiro livro sobre Pessoa em inglês”, explicou à Lusa o professor catedrático da Universidade de Brown Onésimo Teotónio de Almeida.
Os primeiros dois tradutores norte-americanos de Pessoa, Edwin Honig e George Monteiro, também foram professores na universidade, e Teotónio de Almeida é autor de vários estudos e de dois livros sobre o poeta.
A instituição oferece regularmente seminários sobre Pessoa, para o qual convida especialistas de todo o mundo e, ainda em 2015, organizou o primeiro colóquio sobre Pessoa, como poeta inglês.
A universidade publica também a única revista dedicada exclusivamente ao estudo do poeta, Pessoa Plural, na qual foi referido pela primeira vez, em dezembro, a existência deste espólio da África do Sul.
Foi Henriqueta Madalena Dias, meia-irmã de Fernando Pessoa, que, em meados da década de 1970, abriu o baú e enviou uma carta ao investigador britânico Hubert Jennings, que guardou os manuscritos na sua garagem, na Cidade do Cabo, na África do Sul.
Jennings tinha descoberto o português, enquanto reitor de um liceu na África do Sul, depois de perceber que Fernando Pessoa tinha estudado na escola.
“Tão interessado ficou nele que, em 1968, foi para Portugal pesquisar mais sobre ele e até aprendeu português. Chegou a falar muitíssimo bem”, garante Onésimo.
Quando, em maio do ano passado, a Universidade de Brown organizou um colóquio sobre “Pessoa, poeta inglês”, decidiu convidar Christopher Jennings, filho de Hubert Jenings.
“Bem impressionado com o que viu, mostrou interesse em que o espólio pessoano do seu pai viesse para a Brown. Ainda me certifiquei com ele se não seria melhor enviá-lo para a Casa Fernando Pessoa, ou para a Biblioteca Nacional, em Lisboa, mas ele insistiu”, lembra Onésimo.
“A minha irmã e eu gostávamos que os papéis do meu pai ficassem a cargo de quem melhor os pode conservar, usar e tornar públicos e acho que Brown seria um excelente lugar para o fazer”, escreveu Jennings numa mensagem de correio eletrónico, enviada ao investigador e catedrático português, da instituição norte-americana.
Depois de outro professor da universidade avaliar o espólio, que já tinha sido transferido para Nova Iorque, ficou decidido que a Universidade aceitaria a oferta.
Nos meses seguintes, foi preparado um número da revista Pessoa Plural, exclusivamente dedicado a este espólio, preparado por Carlos Pittella Leite.
“Fica muito material publicado, mas há mais que irá surgindo a seu tempo, na editora Gávea-Brown”, esclarece Onésimo.
Ainda não foram descobertos quaisquer inéditos de Pessoa que não existam na Biblioteca Nacional, mas admite-se que venham a surgir.
De qualquer forma, o conjunto tem grande relevância para os estudos pessoanos, sobretudo para os biógrafos.
Nas cartas já publicadas, há relatos de morte de familiares que causaram muito desgosto a Pessoa, listas dos familiares com quem viveu e as casas que habitou, a par de descrições mais banais, como as de brincadeiras com uma sobrinha, que fingia fazer-lhe a barba, e de alguns dos seus medos.
Fernando Pessoa “tinha muito medo de trovoadas: escondia-se em lugares escuros para não ver os relâmpagos e cobria a cabeça para não ouvir os trovões”, descreveu Henriqueta, a meia-irmã, numa carta enviada em 1970 a Jennings, que faz parte do espólio agora descoberto.
AYS // MAG – Lusa/Fim
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