Lisboa, 17 mar (Lusa) – Um leitor só é leitor se estiver curioso sobre o mundo, defendeu, em entrevista à agência Lusa, a investigadora brasileira Eliana Yunes, que está em Portugal a convite do Encontro de Literatura Infantojuvenil da Lusofonia.
Eliana Yunes, 67 anos, é uma das oradoras do terceiro encontro literário que está a decorrer na fundação O Século, no Estoril, em torno do livro e da leitura no espaço lusófono.
Fundadora, há 25 anos, do Programa Nacional de Leitura (Proler) e diretora da Cátedra UNESCO de Leitura no Brasil, Eliana Yunes dedica-se há várias décadas a estudar o papel da leitura e da formação de leitores.
“Por onde começaria com quem não sabe ler? Começaria por contar histórias. A oralidade é a maior aliada da leitura, mais do que o livro e a literatura. A oralidade organiza o mundo para você e te dá uma ideia do mundo que você não conhece”, considerou a investigadora.
Tendo por experiência o trabalho no Brasil, onde – segundo o estudo “Retratos da Leitura 2016” – 56% dos brasileiros dizem que são leitores, Eliana Yunes alerta que se não houvesse a escola, a criança brasileira não teria contacto com o livro.
Entre os mediadores essenciais para transmitir o prazer e a importância da leitura estão a família, os professores, os bibliotecários, mas também todos os que já são leitores plenos: “Mediador é quem está ao seu lado e gosta de ler e sabe o valor da leitura”.
“Eu acho que hoje a grande interação é a troca interpares, sobretudo entre jovens”, sublinha a autora, recordando o fenómeno de jovens brasileiros que têm canais na plataforma Youtube para falar sobre livros.
O estudo brasileiro “Retratos da Leitura 2016” diz ainda que 70% dos leitores brasileiros com mais de 30 anos lê sobretudo a Bíblia e outros textos religiosos, um número que Eliana Yunes desvaloriza.
“Oitenta por cento do brasileiros tem Internet e lê na Internet. O brasileiro não lê só Bíblia, lê muita revista, lê muito na Internet e boa parte do conhecimento político e social vem dessa relação com a Internet”, disse.
O projeto Proler, que assentava “numa base completamente social” – no qual os cidadãos brasileiros recebiam formação da Biblioteca Nacional para formar leitores -, sofreu revezes ao longo de 25 anos, ao sabor de diferentes políticas para o setor.
Eliana Yunes lamenta que não tenha conseguido fazer uma revolução nos hábitos de leitura, mas o programa Proler ajudou a alterar a “conceção do ato de ler” e a consciencializar para a promoção da leitura.
“Eu dediquei uma vida inteira a isso, formando sobrinhos, vizinhos, amigos, gente de muito longe e considero que não salvei o país, mas semeei uma coisa muito boa. Hoje existe uma família pró-leitura, embora o Ministério [da Cultura] não entenda o impacto que podia ter, até do ponto de vista económico”, disse.
Eliana Yunes lamenta o momento de crise e “a corrupção endémica” que o Brasil atravessa.
“Um ajuste da economia supõe um ajuste económico, político, tributário, porque está tudo desordenado e isso é de uma violência profunda com o povo. (…) A conta vai cair sobre coisas que têm um lastro nacional. Vai cair sobre a educação, a saúde, a habitação, a defesa do meio ambiente”, elencou.
Eliana Yunes está pela primeira vez no Encontro de Literatura Infantojuvenil da Lusofonia, que termina no sábado, mas já esteve noutros encontros literários e conhece a realidade portuguesa.
“Acho que vocês têm mais consciência crítica do papel de transformação que a leitura pode causar. Mas não têm uma noção de que leitura não é só literatura. Acho que ainda resistem muito a essa ideia de que há muitas linguagens”, opinou.
Nascida em 1949 em Nova Friburgo, no estado do Rio de janeiro, Eliana Yunes recorda que foi por causa de uma gripe asiática na infância, que a manteve isolada da família, que descobriu o livro.
“Tinha oito anos li tudo de Monteiro Lobato, o fundador de uma literatura brasileira, e o mundo explodiu, porque me apresentou a Cervantes, a Quixote, à geografia, ao mundo grego. Mudou a minha vida completamente”, disse.