Lisboa, 24 fev (Lusa) – O romance “Torto Arado”, de Itamar Vieira Júnior, vencedor do Prémio LeYa/2018, é apresentado na segunda-feira, em Lisboa, na Livraria LeYa na Buchholz, numa mesa redonda com a participação do autor.
Além de Itamar Vieira Júnior, na mesa redonda, às 18:30, participam a diretora da revista Pessoa, Mirna Queiroz, e a jornalista Ana Sousa Dias.
Em declarações à agência Lusa Mirna Queiroz afirmou que este romance “nos remete a grandes clássicos da literatura brasileira, como ‘O Quinze’, de Rachel de Queiroz, ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha, e ‘Vidas Secas’, de Graciliano Ramos, que retratam com grande força narrativa os processos de desumanização, apagamento a que estão sujeitos alguns grupos sociais no Brasil”.
“O livro é muito atual, e ganha urgência à medida que o país enfrenta o que pode vir a ser um dos períodos mais sombrios da sua história”, rematou a jornalista brasileira.
Quando foi conhecido o vencedor do Prémio LeYa/2018, em outubro do ano passado, o presidente do júri, Manuel Alegre, realçou “a qualidade literária” da obra que se distinguiu dos restantes candidatos, “a uma grande distância”.
“Este livro distingue-se de todos os outros [a concurso], e a uma grande distância, e foi unânime entre todos os membros do júri, pela qualidade da escrita, pelo equilíbrio da estrutura e pela maneira como é abordado literariamente o tema da opressão social“, disse o poeta Manuel Alegre.
Alegre realçou, na ocasião, a forma como Itamar Vieira Júnior aborda “a relação homem/mulher, da violência do homem sobre a mulher, sem demagogia, e com uma grande qualidade literária e uma grande maturidade”.
Em entrevista à agência Lusa, quando do anúncio do prémio, Itamar Vieira Júnior defendeu que “toda a arte é política” e afirmou-se “um escritor humanista, empenhado politicamente”.
Itamar Vieira Júnior, nascido em Salvador, no Brasil, em 1979, disse à Lusa que o facto de estar envolvido em movimentos cívicos, na atualidade, o levou a adiar vários projetos, designadamente literários.
“Não acredito que exista arte neutra. Todo o ato humano é um ato político e toda a arte é uma arte política”, disse, acrescentando que, no seu caso, a sua ação é “humanista”.
Vieira Júnior, em entrevista, afirmou considerar que o “discurso” é o que distingue o ser humano dos outros seres e “o discurso é política”.
“O trabalho e a obra são partilhados com outras espécies animais, mas o discurso que é a política, é apenas entre os homens”, argumentou o autor que insistiu: “Todo o ato do homem é política; do médico, do escritor, do agricultor, não importa”.
Referindo-se ao seu romance, “Torto Arado”, Itamar Vieira Júnior disse que, “sendo uma obra ficcional”, surgiu do seu trabalho enquanto antropólogo com uma comunidade no interior do Estado da Bahia, e “fala da luta pela terra, de questões sociais de um Brasil profundo, onde, apesar de abolida [a escravatura] há mais de 120 anos, ainda encontra trabalhadores que vivem em regime de servidão”.
A atribuição deste prémio a “Torto Arado” foi considerada pelo autor como “simbólica”.
“Vejo este Prémio com muito apreço, pelo que somos e o que podemos vir a ser no Brasil”, disse o autor que espera que o Prémio LeYa permita “que a obra tenha o alcance para divulgar o quão frágil são ainda as instituições democráticas, o quanto o Brasil ainda falha na proteção das minorias e dos mais sensíveis”.
Itamar Vieira Júnior é licenciado em Geografia e doutorado em Antropologia e Estudos Étnicos, pela Universidade Federal da Bahia.
“O facto de me ter doutorado em Antropologia e Estudos Étnicos me fez aprender a ouvir as populações, aproximar das suas máximas de vida e ver o quanto isso é rico e poderoso e o quanto pode comunicar de humanidade e de experiência humana, que é o sentido maior da literatura. Não tenho dúvida de que a minha formação escolar, científica, intelectual, se reflete na minha literatura”, explicou.
O romance “Torto Arado” conta a história de duas irmãs numa zona do interior do Brasil, e divide-se em três partes, sendo as duas primeiras narradas por cada uma das irmãs.
Na última, a narração é feita “por um espírito que atravessou o Brasil colonial e a escravidão, e vê com muita preocupação, querendo intervir na realidade” daquele povo.