Pequim, 22 dez (Lusa) – Na época em que a repressão do catolicismo no Japão vitimou o jesuíta Cristóvão Ferreira, um outro missionário português conseguiu firmar com o imperador da China uma aproximação inédita, servindo-se da ciência e da cultura.
Nascido em São Martinho do Vale (Famalicão, perto do Porto), em 1646, Tomás Pereira integrou durante 35 anos a corte do imperador chinês Kangxi (1654 – 1722), cuja governação marca o início de uma era áurea da civilização chinesa.
O português foi professor de matemática de Kangxi, introduziu a música ocidental na China e desempenhou um papel importante nas negociações do primeiro acordo fronteiriço entre a China e a Rússia, em 1689.
O seu trajeto ilustra a fórmula utilizada pelos antigos jesuítas para interagirem com o poder chinês e cumprirem a sua missão, num país adverso à influência externa.
A transmissão de conhecimentos era usada para “fazer amigos e influenciar pessoas entre a elite dos mandarins”, com o intuito de os “converter”, refere Liam Matthew Brockey, professor catedrático no State University of Michigan.
Tomás Pereira terá, contudo, ido mais além, ao conseguir uma aproximação inédita a Kangxi.
“Da antiga missão, ele foi provavelmente o jesuíta mais próximo ao imperador chinês”, avalia num ensaio Paul Rule, sinólogo australiano especializado em estudos religiosos.
Rule considera que o português foi mais do que um “perito estrangeiro”, tendo servido como “conselheiro próximo” e até “quase amigo íntimo” do imperador.
“Terá promovido mais efetivamente o cristianismo na China do que qualquer outro missionário durante o seu período”, escreve o académico.
Tomás Pereira jaz hoje nos jardins da embaixada portuguesa em Pequim, numa reconstituição da sua pedra tumular.
Trata-se de uma pedra de formato retangular, com quase quatro metros de altura, e esculpida com a ajuda do investigador chinês Yu Sanle, cujo trabalho é focado na presença dos primeiros jesuítas europeus na China.
Na fachada está gravado o Édito da Tolerância, escrito originalmente por Kangxi, numa invulgar demonstração de abertura à prática do cristianismo na China Antiga, e que terá resultado da proximidade do imperador ao missionário português.
A lápide original, colocada no cemitério jesuíta de Zhalan, no norte de Pequim, perdeu-se por completo, provavelmente destruída durante a revolta dos Boxers, o movimento nacionalista contra a presença estrangeira na China, no final do século XIX.
A reconstituição do jazido foi inicialmente proposta em 2005 por Mariano Gago, então ministro português da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e concluída este ano com o financiamento do Instituto Camões e da Fundação Gulbenkian.
A sua primeira exibição em público foi em 1 de novembro passado, dia do aniversário de Tomás Pereira, e contou com a presença dos embaixadores dos países fundadores da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), com exceção para São Tomé e Príncipe, que não tem relações diplomáticas com Pequim.
Educado na Universidade de Coimbra, Tomás Pereira rumou a Goa em 1666. Seis anos mais tarde, estabeleceu-se em Macau, então sob administração portuguesa.
Ao saber da existência no território de um jovem jesuíta com conhecimentos de música e astronomia, Kangxi chamou-o a Pequim.
Em 1675, Tomás Pereira foi submetido a uma audiência na corte e nomeado para dirigir o Observatório Astronómico de Pequim.
Na capital da China, adquiriu o nome chinês ‘Xu Risheng’, cuja tradução é “Sol que nasce aos poucos”.
JOYP // PJA – Lusa/Fim
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