Timor-Leste: “Quem não souber falar Português é melhor estar calado”, diz diretora de uma Escola Básica

Texto deglobal voicesPostado em 18 Julho, 2016 11:30 GMT

jornal Timor Post 13julho2016

“Se o estudante falar Tétum recebe multa de 1 dólar”. Foto: Edição de 13 de julho de 2016 do jornal Timor Post

A direção da Escola Básica Central de Fatumeta, em Díli, esta a aplicar uma regra que proíbe os seus estudantes em falar a língua local ou a língua materna dentro daquele estabelecimento de ensino sendo o Português a única língua autorizada.

De acordo com o jornal Timor Post, a diretora da Escola, Fernanda Belo, defende que só se pode falar Português e “quem não souber falar, é melhor estar calado”, diz o jornal. A notícia refere que caso os alunos falem outra língua, que não seja a língua portuguesa, “são multados”.

No artigo, escrito na língua Tétum, Fernanda Belo declara o seguinte:

Nós já comunicamos aos pais dos alunos que ao entrar no estabelecimento de ensino desta escola não podem falar tétum, todos têm de falar português e quem falar tétum terá uma multa de 1$.

A diretora da escola sublinha que esta regra foi estabelecida com o consentimento dos pais e encarregados de educação dos alunos. A professora justifica que aplicou a multa de forma a ajudar os alunos a falarem Português.

Após a independência sobre a Indonésia, obtida em 2002, Timor-Leste adotou a língua portuguesa – juntamente com a língua tétum – de língua oficial do país mas, em 2012, relatos dão conta que apenas 15% da população falava Português:

Apesar de fazer parte da CPLP, Timor-Leste é um dos países com menor penetração da Língua portuguesa. Por todo o território falam-se cerca de 20 línguas e dialetos para além do Indonésio. Apenas 15% da população fala Português.

Contudo, a regra aplicada pela diretora da escola aparenta ir contra a lei do ensino em Timor-Leste. A Presidente da Fundação Alola e Embaixadora da Boa Vontade para os Assuntos da Educação,  Kirsty Sword Gusmão,  prometeu ao Global Voices – em conversa através do Facebook – verificar a legitimidade desta situação porque:

Eu vou referir este assunto à Sra. Vice-Ministra para o Ensino Básico porque esta regra/sanção não corresponde com o Decreto-lei para o Curriculum do Ensino Básico.

Na opinião de Kirsty Gusmão:

Kirsty Sword Gusmão,

Kirsty Sword Gusmão. Foto publicada com autorização.

A Diretora da escola de Fatumeca é que devia ser multada pois está a violar o Decreto-lei 4/2015 do Currículo do Ensino Básico que determina: a)o processo de aprendizagem tem que iniciar oralmente, e depois a leitura seguindo-se a escrita b) a progressão do Tétum para Português (começa com o ensino da literacia Tétum) (art.º 11-2) c) a carga horária da literacia Tétum e Português, no Primeiro Ciclo, não é igual (Tétum será maior) e no 2º ciclo igual d) o objetivo de aprendizagem final da componente da literacia será firmar a base das duas línguas oficiais (art.º 11-2) (não há objetivo de ensinar outras línguas maternas/nacionais). Viva a Língua Tétum!

Conversamos, igualmente, com João Paulo Esperança, linguista Português a viver em Díli há largos anos. O professor reagiu sobre este assunto, da seguinte maneira:

Penso que primeiro há que confirmar qual é a situação real nesta escola, mas eu, pessoalmente, não concordo com políticas escolares que proíbam os alunos de falarem a língua que quiserem no recinto escolar, fora da aula. E pode haver também famílias sem possibilidades económicas de pagar estas multas. Mas creio que não é com má intenção que alguns diretores e professores tentam implementar medidas destas. Antigamente as escolas em Timor usavam muito os castigos corporais, a língua de ensino era o português e, depois da invasão, o indonésio, e os alunos eram punidos fisicamente por falarem outras línguas; era essa a experiência pessoal da maior parte das pessoas, mas a pedagogia moderna recusa que se possa bater aos alunos, por isso alguns professores tentam usar essas multas como um castigo alternativo. Quanto à tentativa de criar uma escola de imersão em língua portuguesa, isso terá provavelmente a ver com o facto de as escolas vistas como modelo em Timor também o serem, e isto inclui, por exemplo, a Escola Portuguesa, as Escolas de Referência e o mítico Externato de São José. Aliás, ultimamente tem surgido uma tendência que nos devia fazer pensar: muitos pais da classe média-alta que não conseguem vaga nessas escolas de imersão em língua portuguesa aqui em Díli estão a colocar os filhos em escolas filipinas de imersão em língua inglesa.

Estanislau Saldanha, Presidente do Conselho Permanente, do Conselho de Administradores do (DIT – Dili Institute of Technology) comenta:

Esta decisão viola a Constituição da RDTL em relação à língua oficial e viola a lei base da educação em relação a língua de instrução na escola. Por isso, viola o direito que o aluno tem em se expressar e aprender numa língua mais fácil e apoia-los para aprender o conteúdo da ciência numa forma mais rápida.

Virgilio da Silva Guterres, Presidente do Concelho de Imprensa de Timor-Leste diz:

A Escola de Fatumeta deve ser uma Escola da Língua Portuguesa? O objetivo da Escola é ensinar a Ciência. A língua Portuguesa ou Inglesa, como meio ou instrumento de aprender, não é o objetivo. Não podemos usar as crianças como objetivo de retaliação com regras que antigamente se aplicavam. As regras das escolas de Soibada, Colégio de Maliana e Ossu eram válidas e aplicáveis no seu tempo [mas] não para todos os tempos [para a atualidade]. Peço à Diretora da escola para revogar esta regra.

Kashogy Junior, tem os irmãos mais novos a estudar no ensino básico, em Díli. O Timorense comenta o seguinte:

Mana, por vezes os alunos têm medo em levantar estas questões porque receiam serem chumbados ou expulsos da escola. Têm medo de serem transferidos para outras escolas que eles não querem, entre outras coisas. Então, “tudo fica ao vento”[sem denúncia]. Existem muitas histórias [muitos exemplos] mas temos de pensar duas vezes antes de fazer queixa. Alguns estudantes ainda brincam com a situação, quando são sancionados.

As reações à notícia do Timor Post tiveram bastante repercussão entre os timorenses. Os leitores do jornal estão chocados e indignados com a ação da escola porque o Tétum também é a língua oficial de Timor-Leste e a multa aplicada aos alunos está a ser “exagerada”.

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