Série documental sobre os escritores que venceram o Prémio Saramago vai chegar à RTP1

Lisboa, 26 jan 2020 (Lusa) – A vida dos onze escritores portugueses vencedores do Prémio José Saramago, as suas memórias, vivências e atividades que conduzem ao processo criativo, vai ser retratada numa série documental em linguagem cinematográfica, que se estreia em junho, na RTP.

“Herdeiros de Saramago” é um projeto da autoria do jornalista Carlos Vaz Marques, com realização de Graça Castanheira, produzido pela Midas Filmes.

Composto por onze episódios que acompanham onze autores, “muito diferentes entre si”, o programa vai mostrar facetas suas que serão “uma revelação mesmo para quem lê há muito os livros que escrevem”, disse, em entrevista à Lusa, Carlos Vaz Marques.

“O facto de Valter Hugo Mãe ser devoto de São Bento, mesmo não tendo qualquer tipo de credo religioso; o desejo secreto de João Tordo de voltar à casa onde cresceu e onde nunca mais tinha tido coragem de tocar à campainha; o culto do chá do abstémio Paulo José Miranda; a descoberta da vocação de contadora de histórias da mãe de José Luís Peixoto; o modo como a construção de uma biblioteca no bairro social onde nasceu foi determinante na vida de Bruno Vieira Amaral; a relação intensa que Ondjaki mantém com a memória da sua própria infância, assumidamente transformada pela ficção”, são disso exemplo, referiu.

A ideia foi pô-los em cena “naquilo que há de mais comum e também no que há de incomum no quotidiano deles”.

“O ato da escrita, só por si, não oferece grande espetáculo, mas antes e depois dessa atividade temos homens e mulheres com uma vida que os conduz a escreverem como escrevem. É essa articulação entre o modo como vivem e o modo como escrevem que queremos captar”.

Após ter gravado seis episódios, o último dos quais com o angolano Ondjaki, a equipa prepara-se agora para partir para o Brasil, onde vai filmar os três autores brasileiros que o Prémio José Saramago distinguiu: Adriana Lisboa, Andréa del Fuego e Julián Fuks.

Para esses episódios, cujos guiões já estão preparados, antecipam a perspetiva de filmar “num terreiro de umbanda, num hotel ocupado por refugiados em São Paulo e num templo budista do Rio de Janeiro”.

Mergulhando no conteúdo dos episódios, Carlos Vaz Marques explica que cada autor será o narrador exclusivo do seu próprio filme: “Vemo-lo e ouvimo-lo seja contando-se a si próprio, sobre o seu percurso e a sua obra, seja interagindo com gente com quem se cruza no quotidiano, familiares e amigos”.

É uma série em que não há narração, apresentação, nem testemunhos de terceiros, e em que não há elementos externos a cada cena.

“Também não são filmes didáticos, no sentido de dizerem que fulano nasceu aqui ou ali, que editou não sei quantos livros, que está editado no estrangeiro e quais os prémios literários que recebeu. Tudo o que for possível encontrar na Wikipédia não estará com certeza nestes filmes”, afirmou.

Aliás, Carlos Vaz Marques destaca que um “aspeto essencial desde o primeiro momento” foi “o cuidado e o apuro formal” que se pretendeu dar à série, enformando um registo mais de cinema do que de televisão.

“A ideia é fazermos deste conjunto de documentários uma série de filmes que se aproximem da linguagem cinematográfica. Sabemos que estamos a trabalhar para televisão, mas não queremos que estes filmes se esgotem no imediatismo de uma linguagem televisiva às três pancadas”.

Recuando ao início, Carlos Vaz Marques conta que a ideia para a série nasceu da constatação de que, em Portugal, faltam registos documentais cuidados, cinematográficos, daquilo que são os tempos atuais.

Na opinião do autor, faltam, por exemplo, documentários sobre os artistas portugueses enquanto se encontram no auge do seu processo criativo, e, consequentemente, faltarão bons documentos visuais no futuro.

“A escassez de imagens dos nossos arquivos audiovisuais que documentem a vida e o pensamento de grandes nomes da cultura portuguesa é confrangedora”, notou, afirmando ter sido esse o motivo que o lançou neste projeto, para o qual pesou o facto de ser jornalista e de estar há muito ligado ao mundo dos livros, tornando-se-lhe evidente a falta de documentos audiovisuais no âmbito literário.

Punha-se a questão da escolha dos autores a incluir num conjunto de retratos destes.

O gatilho foi o Prémio José Saramago: pouco depois de ter sido anunciado o 10.º premiado, o brasileiro Julián Fuks, que convidou para escrever na revista literária Granta, de que era diretor na altura, apercebeu-se de que, em 2019, seria conhecido o 11.º primeiro nome dessa lista de jovens escritores.

Simultaneamente, completavam-se vinte anos daquele prémio e esta conjugação de fatores fornecia-lhe a lista de que precisava e o pretexto necessário: “Assinalar esses vinte anos do Prémio com uma série que tivesse como protagonistas os dez autores já premiados”.

Contudo, dificuldades no processo de financiamento atrasaram a estreia da série, prevista para outubro do ano passado, altura do anúncio do 11.º premiado (Afonso Reis Cabral), o que teve como contrapartida a possibilidade de fazer não dez mas onze episódios.

Da ideia para a ação, valeu-lhe a RTP, que “viu mérito na ideia”, e o produtor Pedro Borges, da Midas Filmes, “um velho conhecido” de quem fora companheiro de redação, que lhe apresentou a realizadora Graça Castanheira.

De acordo com Pedro Borges, a produção da série tem um orçamento aproximado de 500 mil euros, e conta com o apoio financeiro do Instituto do Cinema e do Audiovisual, ao abrigo do programa de apoio à produção audiovisual, e o apoio de algumas autarquias locais.

Em termos formais, cada filme – cuja rodagem demora em média uma semana – terá cerca de meia hora.

Antes das rodagens, porém, há todo um trabalho de entrevistas com os escritores, leituras e releituras de livros, preparação de guiões e escolha dos locais de filmagem.

“Herdeiros de Saramago” estreia-se na RTP1 em junho, altura em que passam dez anos sobre a morte de José Saramago, sendo possível – ainda sem certezas – que um ou dois filmes sejam apresentados publicamente em antestreia.

AL // MAG – Lusa/Fim
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