São Vicente, cidade talássica

O Porto Grande de São Vicente foi o berço incontestável de uma aventura magnífica que  deu notoriedade a estas dez pequenas ilhas espalhadas pelo Atlântico. Elevada à categoria de vila e sede de concelho por alvará régio de 23 de Agosto de 1774,  São Vicente ficou à espera de descobrir a sua vocação de porto de escala nas viagens entre  a Europa e as Américas, para se revelar a si e ao mundo. Primeiro de forma incipiente,  mas logo em seguida de forma clamorosa, a baía do Mindelo ostentou a sua vocação de  Porto de chegada e de partida.

E foi em 1851 que o vapor TAVIOT proveniente de Londres e com destino a Argentina  chegou ao Porto Grande. Começava assim a grande aventura que tornaria este Porto e a  cidade do Mindelo no ponto nevrálgico do desenvolvimento do arquipélago. Nessa altura  São Vicente tinha uma população de duas mil e cem almas sendo cem escravizadas.

Em 1888 regista-se a passagem por Mindelo de 169.440 passageiros, sobretudo italianos.  Já Cristovão Colombo tinha estado pelo menos na ilha de Boavista onde a praia de “João  Criston” deve-lhe o nome. Colombo viajava sempre acompanhado do irmão que  desenhava mapas e isso talvez explique a existência no Museo Dell´Accademia Etrusca

Cortona que visitei, de um globo representando o mundo conhecido no século XVII onde  o mare de Cape Verde e a Insole de Cape Verde são maiores que a própria África. Errado  é certo, mas revelador do papel proeminente que estas ilhas tiveram na ligação norte-sul. A São Vicente passaram a convergir os trabalhadores das ilhas rurais de Santo Antão e  São Nicolau, fugindo dos maus anos agrícolas. E a volta do Porto Grande consolidou-se  a vocação de São Vicente como ilha urbana.

São Vicente, a cidade talássica, tornou-se assim na cidade porto por excelência, na cidade  luz, na cidade das oportunidades.

Quotidianamente aportavam a Mindelo os ingleses do carvão do Miller´s and corys, os  italianos da Marconi e do Italcable, os portugueses da tropa colonial, os japoneses da  pesca do atum, os senegaleses e nigerianos que vendiam peças de artesanato pelas ruas  da cidade, toda a casta de gente, europeus, asiáticos, africanos e americanos.

Ao longo de um passeio pela Avenida Marginal, ainda hoje podem ouvir-se os passantes  a falarem inglês, francês, coreano, wolof e por aí vai.

Foi este o chão em que nasci. Filha de Santo Antão e São Nicolau numa ilha que quase  não conheceu a escravatura, pois foi povoada já no finalzinho dessa era de triste memória.

Numa ilha não de camponeses apreensivos e angustiados à espera de chuva, mas sim de  trabalhadores seguros de receberem o seu salário no final do mês. Numa ilha em que  sempre floresceram as tocatinas e as serenatas e que foi berço de vários movimentos  literários com especial destaque para o movimento “claridoso”. Berço também de  compositores e cantores como B. Léza e Cesária Évora.

Ilha aberta ao mundo e possuidora da mais bela baía, eternamente abençoada pelo Monte  Cara.

Foi da janela da minha casa que aprendi a olhar para os horizontes infinitos e foi do cais  acostável, destino inevitável dos passeios dos domingos da minha infância que um dia  parti para o mundo, sem nunca deixar o meu banquinho na Avenida Marginal plantado.

Praia, maio de 2012.

Ministra da Educação de Cabo Verde, Vera Duarte e a cooperação portuguesa oferece material escolar e uniformes a 350 alunos carenciados da capital cabo-verdiana, entregues a uma associação juvenil que apoia 900 crianças e jovens da Cidade da Praia, 19 de Setembro de 2008. FERNANDO PEIXEIRO / LUSA
Subscreva as nossas informações
The following two tabs change content below.
Imagem do avatar

Vera Duarte

Vera Valentina Benrós de Melo Duarte Lobo de Pina nasceu em Mindelo, S. Vicente, Cabo Verde. É Juíza Desembargadora, poeta e escritora, formada em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa. Membro das Academias Cabo-verdiana de Letras, de Ciências de Lisboa, Gloriense de Letras. Foi Ministra de Educação Ensino Superior, Presidente Comissão Nacional Direitos Humanos e Cidadania, Conselheira do Presidente da República e Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça. Integrou organizações como Centro Norte-Sul Conselho d`Europa, Comissão Internacional Juristas, Comissão Africana Direitos do Homem e Povos, Associação Mulheres Juristas e Federação Internacional de Mulheres de Carreira Jurídica. Recebeu várias condecorações É poeta e autora de vários romances.
Imagem do avatar

últimos artigos de Vera Duarte (ver todos)

Scroll to Top