Maputo, 30 jun (Lusa) – São Pedro foi com Portugal para o mar há séculos, chegou à Índia e fez o Índico de volta até Moçambique, onde descendentes de Goa ainda hoje o celebram como padroeiro dos pescadores.
A procissão de 29 de junho na baía de Maputo é uma tradição com cerca de 60 anos da comunidade piscatória goesa, emigrada para a Katembe, margem sul da então Lourenço Marques (hoje, Maputo), contam os participantes.
Em vez de um altar, a pequena imagem do santo está guardada num barco à escala no Clube de São Pedro, que por sua vez, no dia de festa, é carregado em ombros até outro barco, de transporte de passageiros, reservado para os padres e dezenas de participantes.
É o barco que indica o caminho pela baía de Maputo enquanto outros dez, com inúmeros outros participantes, seguem-no.
São embarcações de pesca que ainda há poucas horas andavam na faina, mas que agora se transfiguraram para a celebração.
Estão cheias de cor, com várias fitas e bandeiras de todo o mundo, de uma ponta a outra.
A procissão vai até uma das boias de sinalização da baia, onde os barcos se encostam para os padres poderem saltar de uns para os outros, enquanto os benzem.
No final, atira-se uma coroa de flores ao mar, em memória dos pescadores e outros membros da comunidade.
Francisco Gomes, 67 anos, um dos mais antigos sócios do Clube de São Pedro, na Katembe, lembra-se de a procissão ser feita sem motores, apenas com barcos à vela.
“Usavam as velas para fazer uma tenda que era o salão onde se fazia o convívio, no final”, refere.
Desde que a tradição começou, sempre foi um dia para pedir boas pescarias.
A pesca ainda é a atividade que ocupa a maioria da comunidade cuja ascendência tem raízes em Goa, mas hoje já há muitos outros empregos, por isso, os pedidos “atualizam-se” – mas “a tradição não se perde”, refere.
Aliás, pela primeira vez a comissão organizadora transitou para uma geração mais nova, o que deixa Francisco Gomes aliviado: “os jovens fizeram um bom trabalho este ano. Acho que a tradição vai continuar”.
Milton Pires, 25 anos, é um desses jovens.
Lembra-se da festa desde criança e encara-a “como se fosse Natal, porque nos juntamos todos. Fazemos a união de toda a família goesa”.
“Não podemos esquecer a tradição, aquilo que os mais velhos nos transmitem, porque estamos sempre a aprender com eles”, sublinha.
Depois de lançada a coroa de flores ao mar, os barcos reagrupam-se para regressar e dar início à segunda parte da festa: provar a gastronomia de Goa, preparada no dia anterior por um grupo de dez mulheres e com uma matança do porco.
Paulina de Sousa Pires explica que o sarapatel – preparado com vísceras, condimentado e acompanhado com um bolo de arroz e coco – é um dos reis da festa, que inclui chacuti – com carne em tiras – e camarão recheado, entre outros pratos.
“As nossas mães transmitiram-nos as receitas e nós continuamos. A comida goesa dá muito trabalho, mas é saborosa”, garante.
Até voltar à Katembe são mais uns dez minutos, mas nos barcos já se destapam bandejas com as entradas: chamuças, rissóis e outros salgados, tudo servido no mar, com a bênção de São Pedro.