A primeira ilha, a ilha que abriga a cidade do mais antigo nome, a Cidade Velha, berço da nacionalidade. Foi pensando nela que António Nunes nos ofereceu um dos mais belos poemas do nosso património cultural: “Sonho que um dia estas leiras de terras quer sejam Mato Engenho Dacabalaio ou Santana filhos do nosso esforço frutos do nosso suor serão nossas”.
Cumpriram-se os versos premonitórios. Hoje Cabo Verde é um país independente e Praia, a sua orgulhosa capital. E é nesta ilha de Santiago sem limites e sem fronteiras que convergem os povos das ilhas, os emigrantes africanos e os expatriados dos quatro cantos do planeta.
Praia, a capital que cresceu desordenadamente por bairros clandestinos e pomposas zonas residenciais, humaniza-se e embeleza-se. Hoje ela é palco central da política e da economia do país.
E para nós, os habitantes da cidade, que já levamos mais tempo de Praia do que nas nossas ilhas de origem, é curioso notar como da desordem que sucedeu à estagnada ordem inicial, uma nova ordem se está construindo mais aberta, mais humana e mais equitável. Praia, cidade de todos, está se tornando cidade para todos.
Mas Santiago não é só Praia. Ela se estende, como disse o poeta, de Mato Engenho a Santana; estende-se pelo planalto interior e demanda Santa Catarina das revoltas de Rubon Manel; sobe pela Serra da Malagueta para se espraiar pelo Tarrafal de memórias de resistência; desce para a Cidade Velha, relembrando o vergonhoso tráfico de homens escravizados; e sobe pelo vale verdejante de São Jorge dos Órgãos, lembrando coloridas festas religiosas.
Esta é a Santiago em que vivemos. Uma ilha que guarda em si a memória de quando o primeiro navegador, descendo do seu escaler, pisou terra firme e se projeta desassombradamente para um terceiro milénio feito de barragens e correção torrencial, de PDM´s e casas para todos, de energias renováveis e programas “mundu novu”.
E nos ares sempre o som do batuque, tabanca e funaná hoje acompanhados da morna e coladeira, os afro-djazzs e todos os sons que a modernidade e a abertura nos vêm oferecendo.
À sombra de uma mangueira e ao som de uma ribeira de águas límpidas, aqui construí a minha casa transitiva.
Praia, maio de 2012.
Vera Duarte
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