“Os meus filhos têm a pele muito branca, cabelo castanho e as pessoas chamam-lhes “bule”, disse Jamaluddin, referindo-se a um termo local que significa “pessoa branca” e que é comummente usado, sem qualquer conotação depreciativa, pelos indonésios quando estão na presença de um caucasiano.
A comunidade tem a histórica reputação de discrição e timidez e Jamaluddin e um dos seus filhos, Rahmat Syah Putra, que falou com a Lusa, não são exceções.
Porém, tal como no período antes do tsunami, em que as pessoas com olhos azuis, cabelo louro e nariz pontiagudo eram o centro das atenções, também Jamaluddin tem características que o distinguem dos demais homens de Aceh que vão para além da cor da pele, tais como braços peludos e cabelo e olhos castanhos.
Rahmat Syah Putra, de 20 anos, não usa o cabelo tão comprido como o do pai, mas segue-lhe o gosto pelas camisolas sem mangas, algo pouco habitual na Indonésia.
Pai e filho sabem apenas que têm descendência portuguesa – embora frisem que se sentem iguais aos outros habitantes de Aceh – e não seguem qualquer tradição particular, dado que a comunidade dos “mata biru” integrou-se totalmente na região, falando sobretudo o dialeto da província e professando a religião muçulmana.
“O tsunami mudou muito a minha personalidade, o meu comportamento, o meu caráter e muitas outras coisas”, frisou o jovem, acrescentando que agora está “mais próximo de Deus” e que o seu sonho é tornar-se num líder religioso.
Rahmat Syah Putra, que encarou o tsunami não como um castigo, mas como um “teste”, confessou que antes do desastre nem sempre rezava cinco vezes ao dia, como é prática na religião muçulmana.
Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar à Indonésia, no início do século XVI e, apesar de terem-se estabelecido sobretudo na região oriental do país, alimentaram o sonho de controlar o comércio da pimenta desde a zona estratégica do Norte da Samatra até ao mercado chinês.
Contudo, o período ficou marcado por animosidades políticas e militares intercaladas com relações amistosas com os sultões de Aceh antes da colonização holandesa, e os portugueses até ergueram uma igreja numa região que é conhecida como a Meca do país com mais muçulmanos no mundo.
Nurdir Ar, antigo diretor do Museu de Aceh, explicou à Lusa que, de acordo com o “costume e a lei local” na altura, “um barco naufragado e os seus passageiros passavam a pertencer ao sultão e, finalmente, tornavam-se achéns”.
Questionado sobre o porquê da designação de “olhos azuis” associada aos portugueses, o também professor de filologia na Universidade Islam Negeri, de Banda Aceh, respondeu que “talvez houvesse um português ou outra pessoa a viajar no navio português”.
“Eu especulo que dentro dos barcos eram todos homens e os homens portugueses casaram com mulheres locais. Com o passar do tempo, estes portugueses converteram-se ao Islão”, acrescentou.
Antes do tsunami, a comunidade teria talvez cerca de 500 pessoas, referiu, advertindo, contudo, que é difícil apontar um número, porque a região conta com descendentes de outros europeus e árabes.
Apesar dos elementos desta pequeno grupo de “mata biru” ainda podem dar-lhe continuidade, até porque há casos em que “a mãe é muito escura, mas o filho é muito branco”, Nurdir Ar prevê que no futuro as pessoas esqueçam a ideia dos portugueses de Aceh ou “mata biru”.