Ponte Internacional do Marco - a mais pequena em todo o mundo
Na zona raiana, a vila de La Codosera na Província de Badajoz, a sua fala corresponde à forma Alentejana das povoações próximas de Portugal, com a única diferença de incluir algum castelhanismo. A vitalidade da mesma é absoluta. O Português é ensinado na escola, e é a língua de comunicação preferida e a população tem muito orgulho nas suas ligações a Portugal, sendo este mesmo uma das fortes componentes da identidade da vila, que de resto segue em muito a tipicidade de uma vila alentejana.
Ao contrário do que se possa pensar, La Codosera não fazia parte do território de Olivença. Como explicar então esta forte presença da língua portuguesa e de hábitos culturais portugueses? Em primeiro lugar, durante séculos foi muito frequente a emigração de portugueses para esta pequena aldeia. E, talvez ainda mais importante, é muito frequente o casamento entre portugueses e espanhóis, sendo que nos últimos censos foram registados, apenas em La Codosera, 200 casamentos entre cidadãos dos 2 países.
A emigração a partir de Portugal para La Codosera deu-se especialmente desde a freguesia de Esperança, no concelho de Arronches. Apareceram assim aldeias gémeas como Rabaça/La Rabaza ou Marco/El Marco, que realmente são a mesma aldeia partida apenas em duas pela fronteira. Outras aldeias como Bacoco, La Tojera (Tojeira), La Varse e outras foram também povoadas por portugueses.
La Codosera, no entanto, ficou como uma espécie de aldeia mista, sendo que há uma romaria anual na Igreja de Chandavila, que expressa esse carácter misto da região, onde confraternizam portugueses e espanhóis. Uma curiosidade a salientar é o facto de os pais terem enviado os seus filhos à escola portuguesa após a Guerra de Espanha de 1936-1939 para não perderem as suas raízes nem a nacionalidade portuguesa. Se bem que a maior parte dos habitantes têm dupla nacionalidade, há quem ainda só possua a nacionalidade portuguesa.
Fonte: nCultura
Anuario de Estudios Filológicos, ISSN 0210-8178, vol. XXVII, 13-21
«CÁ NO ALENTEJO»: A LÍNGUA PORTUGUESA EM LA CODOSERA
Juan M. Carrasco González Universidad de Extremadura
Resumen
En este trabajo se exponen brevemente, para el caso concreto de La Codosera, los resultados de un proyecto de investigación. Se trata del proyecto Estudio Lingüístico e Histórico de las Hablas Fronterizas de Extremadura desarrollado entre los años 1997 y 1999, y financiado por la Junta de Extremadura y el Fondo Social Europeo (no de registro PRI97E060). Se pueden destacar, como aportaciones más relevantes, la localización de localidades de habla portuguesa antes desconocidas, el estudio de su origen y su descrip- ción sociolingüística.
Palabras clave: Dialectología, lengua portuguesa, frontera lingüística.
Abstract
This paper briefly discusses results in the light of a research project carried out on La Codosera’s dialect. This work, entitled Linguistic and Historic Study of Frontier Language (funded by the Regional Government of Extremadura and the European Social Funds [no PRI97E060]), chiefly contributes to unveiling Portuguese speaking sites are unknown, their origins and socio-linguistic description.
Keywords: Dialectology, Portuguese language, linguistic frontier.
Esclarecimento
Num inquérito que realizei em La Tojera há poucos anos, recebi a espon- tânea resposta de que «Cá no Alentejo, ao pára-chuva chamamos sombrinha». Escolhi para título esta resposta porque me pareceu exemplo ilustrativo da realidade sociolinguística que encontramos nas aldeias fronteiriças de La Co- dosera. Os habitantes destas aldeias vivem na Extremadura espanhola como se vivessem em Portugal. Aliás, quase todos nasceram em Portugal e ainda conservam o passaporte português. Note-se que, no caso da informante de
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que obtive a tal resposta, ela tinha nascido em Espanha, muito perto de La Tojera, no casario de Monteviejo (ali conhecido como Monte Velho) —mas também ela, como todos os habitantes daquelas aldeias, é da sociedade alen- tejana do que se sentiam partícipes.
Falares fronteiriços
Nos últimos anos temos realizado trabalhos de pesquisa na Extremadura espanhola com o intuito de estabelecer a fronteira linguística entre espanhol e português nesta região1. No caso da Província de Cáceres, são conhecidas desde inícios do século xx duas zonas onde a língua portuguesa penetrava em Espanha: ao Norte, no vale de Xalma2 (concelhos de Valverde del Fresno, Eljas e San Martín de Trevejo), e à altura do rio Tejo (concelhos de Herrera de Alcántara e Cedillo).
Muitos dos grandes dialectólogos espanhóis e portugueses estudaram os falares do vale de Xalma já nas primeiras décadas do século (Leite de Vas- concelos, Federico de Onís, Aurelio M. Espinosa hijo, etc.), muito embora os estudos definitivos sejam mais recentes: o de Lindley Cintra quanto à origem histórica dos falares e o de Clarinda Maia quanto à descrição linguística e dialectal3. Nos últimos anos, porém, houve um renovado interesse por estes falares, com vários congressos pelo menos em parte a eles dedicados4, e com
1 Especialmente para os falares de La Codosera, os trabalhos foram realizados no quadro do Projecto de Investigação, por mim dirigido, Estudio Lingüístico e Histórico de las Hablas Fronterizas de Extremadura. Foi financiado pela Junta de Extremadura e o Fundo Social Europeu (número de registo PRI97E060) e desenvolvido nos anos de 1997 a 1999.
2 ‘Xalma’ em português, ‘Jálama’ em castelhano ou ‘Xálima / Sálima’ para os seus falantes… De facto, nunca existiu um topónimo comum para os três lugares, como também não existiu nunca uma denomição comum para a língua ou dialecto da zona —cada localidade tem a sua: ‘valverdeiru’ para o falar de Valverde del Fresno, ‘lagarteiru’ para o de Eljas e ‘mañegu’ para o de San Martín de Trevejo. Quanto a este problema, cf. José Enrique Gargallo Gil, Las hablas de San Martín de Trevejo, Eljas y Valverde del Fresno. Trilogía de los tres lugares, Mérida, Editora Regional de Extremadura, 1999, págs. 44-51.
3 Vid. Luís F. Lindley Cintra, A linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo. Seu confronto com a dos Foros de Alfaiates, Castelo Bom, Castelo Melhor, Coria, Cáceres e Usagre. Contribuição para o estudo do leonês e do galego-português do séc. XIII, Lisboa [Publicações do Centro de Estudos Filológicos], 1959; Clarinda de Azevedo Maia, Os falares fronteiriços do concelho do Sabugal e da vizinha região de Xalma e Alamedilha, Coimbra, Suplemento iv da Revista Portuguesa de Filologia, 1977.
4 Entre outras, cf. Juan M. Carrasco González y Antonio Viudas Camarasa (eds.), Actas del Congreso Internacional Luso-Español de Lengua y Cultura en la Frontera (Cáceres, 1 al 3 de diciembre de 1994), 2 vols., Cáceres, Universidad de Extremadura, 1996; Antonio Salvador Plans, María Dolores García Oliva y Juan M. Carrasco González (coords.), Actas del I Congreso sobre «a Fala» (20 y 21 de mayo de 1999, Eljas-San Martín de Trevejo-Valverde del Fresno), Mérida, Gabinete de Iniciativas Transfronterizas y Editora Regional de Extremadura de la Junta de Extremadura, 2000; Juan M. Carrasco González, Ma Jesús Fernández García y M. Luísa Trindade Madeira Leal (eds.), Actas del Congreso Internacional de Historia y Cultura en la Frontera-1er. Encuentro de
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muitos especialistas a trabalhar em novos aspectos, nomeadamente a ‘filiação’, isto é, a relação destes falares com o português, o leonês ocidental e o galego moderno (é o caso de Antonio Viudas Camarasa e Xosé Henrique Costas González), e diferentes problemas sociolinguísticos, desde o uso e sobrevi- vência por grupos etários até à ‘normalização’ e ‘normativização’ linguísticas (José Enrique Gargallo Gil ou, por exemplo, a Associação «Alén do Val» de investigação linguística e cultural)5.
Os falares de Xalma apresentam uma situação muito diferente dos outros falares fronteiriços por vários motivos. Em primeiro lugar, porque, sendo fronteiriços, não são de origem portuguesa, nem podem ser considerados em rigor dialectos portugueses. Em segundo lugar, porque são ainda de uso vulgar entre a população a todos os níveis etários, e não parecem estar em vias de extinção. Em terceiro lugar, porque estão a usufruir de um grande reconhecimento social e político, o que é consequência deste renovado interesse que desperta nos ambientes científicos e culturais. Desta maneira, as instituições administrativas já começaram a agir para a preservação destes falares que, por outro lado, estão a oferecer os primeiros testemunhos de criação literária6.
A segunda zona de falares fronteiriços de Cáceres, neste caso estritamente portugueses, foi objecto de um completíssimo estudo monográfico por parte
Lusitanistas Españoles (Cáceres, 10, 11 y 12 de noviembre de 1999), 2 tomos, Cáceres, Universidad de Extremadura, 2000.
5 Alguns dos trabalhos mais significativos ou mais recentes destes autores são: Antonio Viu- das Camarasa, «Un habla de transición: el dialecto de San Martín de Trevejo», Lletres Asturianes, iv (1982), págs. 55-71; Xosé Henrique Costas González: «Valverdeiro, lagarteiro e mañego: o ‘galego’ do Val do Río Ellas (Cáceres)» em Francisco Fernández Rei e Antón Santamarina Fernández (eds.), Estudios de Sociolingüística Románica. Linguas e variedades minorizadas, Santiago de Compostela, Universidade de Santiago de Compostela, 1999, págs. 83-106; José Enrique Gargallo Gil, op. cit.; Asunción Sóñora Abuín et alii, «Aproximación sociolingüística ó Val do Ríu Ellas (Cáceres): estudio dos usos e actitudes lingüísticas» em Actas del Congreso Internacional Luso-Español…, op. cit., i, págs. 407-414.
6 O Governo Autónomo da Extremadura reconheceu a necessidade de protecção e pro- moção destes falares no Decreto 45/2001, de 20 de Março, da Consejería de Cultura «por el que se declara Bien de Interés Cultural la “A Fala”» [sic] (doe de 27 de Março de 2001). Este Decreto, porém, não incluía medidas de normativização e de introdução na escola, o que faz com que a situação do dialecto continue exactamente igual nas aldeias onde se fala. Quanto às primeiras publicações, devemos referir em primeiro lugar Isabel López Lajas, Seis sainetes valverdeiros, edición e notas de Henrique Costas (Asociación Alén do Val) [San- tiago de Compostela], Edicións Positivas, 1998. Outras obras: F. Severino López Fernán- dez, Arreidis. Palabras y ditus lagarteirus, Mérida, Editora Regional de Extremadura-Gabinete de Iniciativas Transfronterizas (Junta de Extremadura), 1999; Domingo Frades Gaspar, Vamus a falal. Notas pâ coñocel y platical en nosa fala, 2a edición revisada y ampliada, Mérida, Editora Regional de Extremadura-Gabinete de Iniciativas Transfronterizas (Junta de Extremadura), 2000.
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de Maria da Conceição Vilhena7. As duas localidades onde se fala português, apesar da proximidade e continuidade, possuem traços muito diferentes: português arcaico com grande influência moderna de castelhano no caso de Herrera e português moderno de tipo beirão, o mesmo português que se fala no outro lado da fronteira, no caso de Cedillo.
Em qualquer caso, ainda que apareçam sem distinção relativamente aos dialectos portugueses ou entre eles, os falares fronteiriços destas duas zonas da Província de Cáceres foram recolhidos sistematicamente por atlas linguísticos e grandes monografias dialectais de âmbito português, espanhol ou ibérico, que vieram a estabelecer os limites entre as línguas portuguesa e castelhana na Extremadura8.
No entanto, as nossas pesquisas na região de Herrera e Cedillo revelaram que, na realidade, os falares portugueses modernos continuavam desde Ce- dillo, em toda a faixa fronteiriça, até ao limite da província, em localidades como La Fontañera, Las Casiñas, El Pino ou Jola, dentro do concelho de Valencia de Alcántara. Salvo no caso de La Fontañera, estas localidades sur- giram provavelmente no século xviii, como Cedillo, e tiveram um desenvol- vimento muito semelhante nos séculos xix e xx. Do português em Valencia de Alcántara já tivemos oportunidade de dar notícia em trabalhos onde, aliás, advertíamos acerca da existência de falares portugueses mais a Sul, já na Província de Badajoz, no concelho de La Codosera9, o que nos permitiu fazer uma revisão completa dos limites linguísticos (castelhano, português e até galego-português, de forma mais genérica, se atendermos aos falares de Xalma) na fronteira da Extremadura espanhola e uma nova classificação de todos os dialectos fronteiriços10. São estes falares portugueses de La Codosera que vou descrever brevemente neste trabalho.
7 Vid. Falares de Herrera e Cedillo, Mérida, Gabinete de Iniciativas Transfronterizas (Junta de Extremadura), 2000. Existe versão em castelhano: Hablas de Herrera y Cedillo, versión española a cargo de Juan M. Carrasco González, Mérida, Editora Regional de Extremadura-Gabinete de Iniciativas Transfronterizas (Junta de Extremadura), 2000.
8 Não aparecem no Inquérito Linguístico por Correspondência de Manuel Paiva Boléo, porque não incluiu inquéritos fora dos distritos administrativos portugueses, nem sequer Olivença. Leite de Vasconcelos incluiu Olivença na sua Carta Dialectológica do Continente Português, mas não os falares de Xalma, por ser a Carta anterior (de 1893) aos seus estudos sobre estes falares. As duas zonas de falares fronteiriços de Cáceres (a de Xalma e a de Cedillo e Herrera) já aparecem no ALPI, na classificação dos dialectos galego-portugueses de Luís F. Lindley Cintra (cf. Estudos de Dialectologia Portuguesa, Sá da Costa, Lisboa, 1983) ou, por exemplo, no manual de Alonso Zamora Vicente (vid. Dialectología Española, 4a reimpr. de la 2a ed., Gredos, Madrid, 1985).
9 Vid. especialmente Juan M. Carrasco González, «A língua portuguesa na Extremadura espanhola: O caso de Valencia de Alcántara» em Inês Duarte e Isabel Leiria (Orgs.), Congresso Internacional sobre o Português (1994)-Actas, Lisboa, apl e Edições Colibri, 1996, vol. iii, págs. 57-73.
10 Vid. especialmente Juan M. Carrasco González, «Hablas y dialectos portugueses o galaico- portugueses en Extremadura (Parte i: Grupos Dialectales. Clasificación de las hablas de Jálama)»,
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Zonas de língua portuguesa em La Codosera
Os falares portugueses de La Codosera aparecem em pequenas localidades (aldeias e casarios) junto da raia fronteiriça deste concelho, e são o extremo meridional de uma extensa região de língua portuguesa na Extremadura que, sem interrupção, ocupa toda a faixa fronteiriça desde o rio Tejo em Cedillo até ao ribeiro Abrilongo. A língua portuguesa no concelho de La Codosera fala-se, a Norte, no limite com a província de Cáceres, em casarios de povo- ação dispersa que os próprios habitantes denominam «a Rabaça espanhola» e que nos mapas oficiais e de uso habitual em dialectologia aparecem como La Rabaza e Casas de la Frontera (para referir os casarios raianos); na parte central do concelho, na zona mais despovoada, existem alguns casarios isola- dos que são conhecidos com o nome de La Centena, Bacoco e Monteviejo; na parte meridional existem aldeias de povoação concentrada: La Tojera, El Marco e La Varse11.
É muito significativo também, do ponto de vista da descrição e localização geográfica da zona, observar que estas localidades não estão ligadas entre si por nenhuma estrada de alcatrão ou de terra. Para ir de uma a outra, sem sair de Espanha, é preciso passar sempre pela vila de La Codosera: uma estrada sai em direcção ao Norte, chega perto de La Vega e desvia-se depois para a esquerda até acabar na primeira casa de La Rabaza, onde existe uma taberna —depois, para alcançar as outras casas até chegar aos
Anuario de Estudios Filológicos, xix (1996), págs. 135-148; e «Hablas y dialectos portugueses o galaico-portugueses en Extremadura (Parte ii y última: Otras hablas fronterizas. Conclusiones)», Anuario de Estudios Filológicos, xx (1997), págs. 61-79.
11 O facto de as localidades aparecerem em época muito recente e não constituírem mais do que pequenos lugares ou casarios dispersos faz com que haja bastante confusão nos mapas —mesmo nos oficiais, dado que os nomes destes lugares são considerados toponímia menor e, em consequência, não aparecem nos registos toponímicos oficiais. Alguns exemplos são muito significativos. Ainda em 1975, no Mapa Topográfico Nacional de España à escala de 1:50.000 (Hoja 701, «Valencia de Alcántara»), a aldeia de La Fontañera aparece sem nome. Os mapas do Servicio Geográfico del Ejército que estão ao dispor do público, embora sejam os mesmos do Instituto Geográfico y Catastral, são muito mais detalhados e possuem uma toponímia menor muito mais completa, porque utilizam o seu próprio serviço toponímico, mas nem por isso deixam de conter algumas confusões (neste caso, por exemplo, já aparece o topónimo de «La Fontañera», mas atribuem dois topónimos, «Casas de la Frontera» e «Rabaza», a um mesmo casario). Outro dos mapas mais utilizados nestes casos, o Mapa Oficial de Carreteras, mostra muito bem as estradas, mas não aparecem todas as localidades. A uma escala maior (1/400.000), o recente Mapa de Carreteras y Turístico Michelin, no 444, correspondente a «Es- paña Centro (Madrid, Castilla-La Mancha, Extremadura)» transcreve como «La Rabasa» [sic] aquilo que é La Vega (isto é, mais ou menos onde acaba a estrada), não menciona La Tojera nem a estrada que lá leva, e chama «Chandovila» ao santuário de Chandavila. Utilizo no meu trabalho, por achar mais adequado quanto à toponímia, o Mapa. Comunidad Autónoma de Extremadura (cartex-Cartografía Extremeña, Cáceres, s.d.), aprovado pelo Consejo Superior Geográfico (no 195/90).
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marcos que assinalam a mudança de país, só é possível utilizar caminhos de terra, e nem todos admitem a passagem de um automóvel. Para chegar aos casarios de Bacoco e La Centena é obrigatório voltar a La Codosera e meter por uma estrada que, há alguns meses, acabava muito antes de chegar à primeira casa; depois, só caminhos de terra possibilitam o acesso —embora eu não tivesse podido chegar da última vez que andei por ali, porque estavam a construir uma pequena ponte. Em todo este trajecto não vamos encontrar sinais nem indicações que nos ajudem a encontrar o caminho ou que nos informem de onde estamos… Muito mais fácil é chegar a La Tojera e El Marco: uma outra estrada que sai de La Codo- sera, poucos quilómetros depois, desvia-se para a direita em direcção a La Tojera e, se não a deixarmos, levar-nos-á até El Marco, logo a seguir ao magnífico edifício do Santuário da vila. É evidente que as deslocações mais habituais dos habitantes destes lugares (compras, visitas, actos litúrgicos, assistência médica, etc.) não se faziam para La Codosera, mas sim para as localidades fronteiriças portuguesas, muito mais próximas e de acesso mais fácil, como são a Rabaça (portuguesa), Parra, o Marco (português) ou Es- perança… E é fácil deduzir também que os habitantes de língua portuguesa neste concelho não mantinham —e continuam a não manter— muitas relações entre si.
Origem dos falares
Quanto à origem dos falares portugueses em La Codosera, vem a coincidir com a própria origem das localidades onde se falam —como acontece, aliás, com todo o grupo de falares fronteiriços desta zona. Em todos os casos são de criação moderna —a partir do século xviii, como já foi dito. Mas as loca- lidades de La Codosera são mais recentes do que as localidades de Cedillo e Valencia de Alcántara. Cedillo, segundo os estudos citados de Maria da Con- ceição Vilhena, já tinha no fim do século xviii a sua própria paróquia, e no início do século xix conseguiu câmara municipal independente da de Herrera de Alcántara. Graças às informações fornecidas pelo Diccionario Geográfico de Madoz12, pudemos comprovar que as localidades fronteiriças de Valencia de Alcántara (todas menos La Fontañera) tiveram um desenvolvimento muito semelhante, até ao ponto de em 1836 El Pino ter solicitado e conseguido a sua própria câmara municipal13.
12 Cf. Pascual Madoz, Diccionario Geográfico-Estadístico-Histórico de España y sus Posesiones de Ultramar, 16 vols., Madrid, Est. Literario-Tipográfico de P. Madoz y L. Sagasti, 1845-1850. Uti- lizo a edição parcelar Diccionario Histórico-Geográfico de Extremadura, Cáceres, Publicaciones del Departamento de Seminarios de la Jefatura Provincial del Movimiento, 1953-55, s.v.
13 Na actualidade, El Pino e todas as localidades fronteiriças próximas pertencem ao concelho de Valencia de Alcántara. De facto, a câmara municipal de El Pino não chegou a
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Pelo contrário, La Fontañera e todas as localidades fronteiriças de La Codosera surgiram no fim do século xix ou no princípio do século xx e nunca alcançaram uma população e um desenvolvimento parecidos com os das outras localidades deste grupo linguístico. O facto de não haver assenta- mentos anteriores na raia de La Codosera parece ser consequência da falta de delimitação oficial da raia fronteiriça em parte desta região, numas terras que se conheciam em Espanha com o nome de reyertas e que, não pertencendo oficialmente a um dos países, compartilhavam e administravam simultanea- mente os concelhos de Alburquerque (em Espanha) e Arronches e Ouguela (em Portugal). Nas reyertas, por serem terras comunitárias, não podia haver propriedade privada nem se podiam construir casas. Só depois do Convénio de 1863-64 entre os Governos de Espanha e Portugal foi estabelecido neste local o limite fronteiriço14.
Do ponto de vista sociolinguístico, esta origem mais recente é de grande relevância. Enquanto os falantes das localidades mais antigas do Norte (as raianas de Valencia de Alcántara e Cedillo) são descendentes de várias ge- rações de pessoas que aí nasceram15, os falantes das localidades fronteiriças de La Codosera são —especialmente os mais velhos, mas não só— nascidos em Portugal, conservando até a nacionalidade, e com familiares muito próximos vivendo neste país —pais, irmãos, filhos… Um dos nossos infor- madores de El Marco, por exemplo, apenas tinha morado durante os seus primeiros oito meses em Portugal, e continua a ser português passados 75 anos…
Também as condições que explicam a emigração de famílias portuguesas para o outro lado da fronteira foram muito diferentes no século xviii ou no século xx. Em La Codosera, as localidades surgiram muitas vezes como
constituir-se plenamente (nunca teve capacidade fiscal e orçamental) por oposição da câmara de Valencia.
14 Este Convénio publicou-se no Diário de Lisboa (Folha Oficial do Governo português) de 5 de Julho de 1866, págs. 2102-2106, e foi reproduzido na Acta geral de delimitação entre Portugal e Espanha desde a foz do rio Minho até à confluência do rio Caia com o Guadiana, Lisboa, Imprensa Nacional, 1907 [cf. Maria de Fátima de Rezende F. Matias, «Bilinguismo e níveis sociolinguísti- cos numa região luso-espanhola. (Concelhos de Alandroal, Campo Maior, Elvas e Olivença)», Revista Portuguesa de Filologia, xviii (1980-1986), pág. 170, nota 2]. Como exemplo posso re- ferir o caso de La Fontañera, cuja aparição nos mapas oficiais já foi descrita (vid. nota 11): a primeira vez que consegui documentar este topónimo foi no Boletín Oficial de la Provincia de Cáceres correspondente aos anos de 1917-1918 (cf. Roberto C. Montañés Pereira, «Conflictos sociales y relaciones comerciales ilícitas en la frontera altoextremeña», em Actas del Congreso Internacional de Historia y Cultura en la Frontera-1er. Encuentro de Lusitanistas Españoles, op. cit., ii, págs. 1251-1268).
15 São frequentes, porém, ainda na actualidade, os casamentos mistos —normalmente, mulher destas localidades e homem português.
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prolongamento de localidades portuguesas, conservando até o mesmo nome: a Rabaça portuguesa e La Rabaza espanhola, o Marco português e El Marco espanhol… As crises agrárias havidas em Portugal neste século, a abundância de terras para alugar ou comprar do lado espanhol (muito despovoado), o aproveitamento das políticas de produção agrícola dos dois Estados fron- teiriços e o comércio lícito ou ilícito, enquanto a fronteira foi verdadeira fronteira económica, explicam facilmente esta emigração —que não era tal, porque as pessoas não deixavam de viver no mesmo local.
Classificação dos falares
Finalmente, não vou fazer uma descrição pormenorizada dos traços lin- guísticos ou dialectais do português de La Codosera, até porque não é mais do que o mesmo português que se fala no outro lado da fronteira16. Mas é interessante assinalar que também as condições dos recentes assentamentos portugueses na zona explicam algumas diferenças relevantes em relação ao que verificámos mais ao Norte. Enquanto em Cedillo e na fronteira de Valencia de Alcántara os falares das localidades são bastante uniformes, em La Codosera pode haver variações substanciais passando só de um infor- mador a outro, dado que a língua do informador é a língua do local de procedência.
É interessante destacar, igualmente, a escassíssima interferência do cas- telhano nestes falantes que, aliás, são todos bilingues com melhor ou pior domínio da língua espanhola. Ao fim e ao cabo, como é fácil de compre- ender depois da descrição geográfica, os habitantes destes lugares mantêm contacto directo e quotidiano com os seus vizinhos em Portugal, o que já não acontece com os próprios habitantes da vila de La Codosera. Só en- contramos influência do castelhano em muito poucas palavras isoladas que aparecem nos nossos inquéritos (‘embaraçada’ por ‘grávida’, ‘desgrácia’ por ‘desgraça’), não constatando castelhanismos fonéticos, morfológicos ou sintácticos.
Esta sociedade raiana de alentejanos na Extremadura espanhola está, no entanto, em vias de extinção. Foi a existência de uma fronteira política e económica que favoreceu a sua própria existência. É o desaparecimento desta mesma fronteira, após o acordo de livre trânsito da União Europeia (em 1993), que determina que os jovens emigrem, que as lojas fechem e que os reformados vão morar para localidades com mais comodidades (Badajoz,
16 Para uma descrição de tipo linguístico, com análise dalguns textos, vid. Juan M. Carrasco González, «La frontera lingüística hispano-portuguesa en la Provincia de Badajoz», Revista de Filología Románica, xviii (2001), págs. 139-158.
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La Codosera, Arronches…)17 Não deixa de ser assunto do maior interesse sociolinguístico, num espaço de tempo muito breve para o que significa a história de uma língua —um século—, encontrarmos o quadro completo (e dramático) da introdução e possível extinção da língua portuguesa no concelho espanhol de La Codosera.
17 Do ponto de vista antropológico (deixando de lado as referências linguísticas, tão des- necessárias quanto incorrectas) é muito interessante o estudo de Luis M. Uriarte, La Codosera. Cultura de fronteras y fronteras culturales en la raya luso-extremeña, Mérida, Asamblea de Extremadura, 1994. Encontramos aí uma análise completa desta situação crítica.
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