Lifau, Timor-Leste, 27 nov (Lusa) – A religião católica e a língua portuguesa, as duas principais heranças dos 500 anos de contacto entre portugueses e timorenses, marcaram hoje as cerimónias de inauguração do monumento que recorda essas relações na praia de Lifau, Oecusse, Timor-Leste.
Uma caravela em bronze, com duas velas brancas decoradas com a cruz de Cristo vermelha, está elevada sobre várias plataformas circulares de cimento junto ao mar, na praia onde outrora um padrão mais singelo marcava, em pequenas pedras, a chegada dos portugueses.
Foi aqui, há 500 anos, que os primeiros portugueses pisaram Timor. O significado dessa primeira visita, e dos cinco séculos seguintes, evidenciou-se hoje, com o sol já a pôr-se e depois de uma missa de mais de duas horas.
E não apenas no que o momento representou: timorenses, 500 anos depois a escolherem como um dos símbolos da sua identidade o que é um dos maiores símbolos de Portugal, a caravela.
Nem sequer no discurso em português proferido pelo chefe de Estado, Taur Matan Ruak e, como o resto da cerimónia – o ponto alto das celebrações do 500º aniversário das relações entre os dois povos – a ser transmitido para todo o país, em direto, pela televisão nacional.
Os laços ficaram evidentes noutros momentos mais fora do protocolo da cerimónia, em que participaram as principais figuras do Estado timorense, o presidente do Tribunal Constitucional português, Joaquim de Sousa Ribeiro e vários ministros da CPLP, entre outros.
Ao som e à luz de fogo-de-artifício, centenas de timorenses alinharam-se para tirar fotos ao lado da caravela e entre as oito figuras em bronze que retratam esse primeiro contacto.
Entre eles, estavam pelo menos dois com camisolas da Fretilin (Frente Revolucionária do Timor-Leste independente) – o partido que, cumpre-se amanhã 40 anos, proclamou a independência de Timor-Leste – e alguns chefes tradicionais, descendentes de outros que, há cinco séculos foram os primeiros convertidos ao catolicismo na ilha.
A importância do momento, e da união dos dois povos, ficou evidente quando o monumento foi formalmente inaugurado e foram retirados panos laranjas que cobriam seis das oito figuras, também em bronze, que acompanham a obra – seis no solo e duas na caravela.
Essa responsabilidade coube a representantes do Estado timorense e português e da Igreja: o presidente do Parlamento Nacional timorense, Vicente da Silva Guterres, o bispo de Baucau Basílio do Nascimento, o chefe de Estado, Taur Matan Ruak, o primeiro-ministro, Rui Maria de Araújo e o representante do Estado português, Joaquim de Sousa Ribeiro.
O chefe tradicional de Oecusse, Zeferino da Cruz Sau, relembrou e vincou a relação, explicando que foi assinalada nas cerimónias que antes desta, mais protocolar, os líderes tradicionais realizaram, com misticismo e o ‘lulik’, o sagrado do animismo timorense.
“A história aconteceu há 500 anos em Lifau. E essa lembrança foi passando de geração em geração até agora. Como dizia o monumento, aqui também é Portugal. Nunca poderemos esquecer isso e também nunca podemos esquecer a nossa história”, disse.
Quem tivesse notado o miúdo do grupo que foi entregar oferendas aos bispos timorenses, Basílio do Nascimento e Norberto Andrade, no inicio da longa missa, poderia imaginar que esse esquecimento não será para já.
É que nas mãos, acenava com uma bandeira timorense e à cintura, tinha um cachecol português.