Da Sputnik Brasil. Por Melissa Rocha e Rennan Rebello
O Dia Mundial da Língua Portuguesa é celebrado neste domingo (5). A data foi instituída em 2009, pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que reúne nove países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Mais de 260 milhões de pessoas ao redor do mundo falam português, o que faz do idioma um dos mais falados no planeta, sendo o terceiro no Ocidente e o primeiro no Hemisfério Sul, segundo dados do Observatório da Língua Portuguesa.
Cada país lusófono tem sua própria maneira de falar o português, mas o estilo brasileiro vem se destacando cada vez mais, principalmente em Portugal, berço do idioma, onde a forma brasileira de falar vem ganhando adeptos, sobretudo entre os jovens, e despertando preocupação em alguns setores, que temem que o português de Portugal seja suplantado pelo português brasileiro.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o português Mario Martins, morador da cidade do Porto, que trabalha como Green Gas Project Developer, afirmou que notou uma mundaça na forma de falar de seus dois filhos, de 12 e 14 anos. “Não são expressões [utilizadas], é mais a utilização dos verbos no gerúndio”, explica.
Ele considera que a Internet foi o elemento principal da influência da forma brasileira de falar em seus filhos, “devido aos inúmeros vídeos que eles seguem na Internet” com conteúdos produzidos por brasileiros.
Entretanto, ele acredita que a influência linguística não afeta o modo de viver ou a educação dos jovens em Portugal.
“A educação é o somatório de várias vivências sociais. Se as únicas vivencias de uma criança forem os vídeos de que falei há pouco, por exemplo, então é bem provável que perca até o seu sotaque original.”
A “invasão” do modo de falar brasileiro não é propriamente uma novidade, e já foi tema de preocupação em Portugal nos anos 80 e 90, por conta das novelas brasileiras exportadas para o país. Martins concorda que o caso atual é uma releitura impulsionada pela Internet, mas afirma que não acha errado seus filhos usarem expressões ou formas verbais pouco utilizadas em Portugal, desde que as frases estejam bem construídas.
“Por norma, quando acho que os meus filhos não estão a falar da forma mais correta, faço a devida correção.”
Questioando sobre como os pais portugueses têm lidado com essa influência e como dialogam sobre a importância de falar o português de Portugal, Martins diz que faz isso “convivendo e partilhando o dia a dia com os filhos”.
“Ou seja, certificando-me de que para além de muitas outras influências, nós, os pais, somos um dos principais responsáveis pela formação deles”, explica.
Por que o português brasileiro tem apelo entre jovens em Portugal?
Mestra em linguística, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGL/UFSC) e professora de língua portuguesa como língua estrangeira, Kerolyn Sarate afirma que a raiz da inserção do jeito brasileiro de falar entre os jovens portugueses está diretamente ligada ao consumo da cultura brasileira.
“É sempre importante pensar que língua e cultura são dois fatores indissociáveis. O interesse pela nossa variedade, o português brasileiro, é muitas vezes devido ao acesso à nossa cultura. O uso de determinados termos que são oriundos do Brasil é, em geral, devido ao contato com as mídias sociais de artistas, youtubers e influencers brasileiros. Nem sempre isso significa atratividade ao nosso modo de falar, muitas vezes é apenas resultado de um contato mais direto com a nossa cultura e, consequentemente, com a nossa língua.
Ela afirma que essa tendência é a mesma observada em décadas anteriores, porém amplificada pelas mídias digitais.
“Nos anos 80 e 90, o acesso aos meios de comunicação era mais limitado. Se antes o português brasileiro entrava na vida dos portugueses apenas por meio da televisão, hoje em dia, esse quadro se alterou significativamente. As mídias digitais possibilitam um maior contato com a variedade brasileira e um atendimento a todo o tipo de público”, explica Sarate.
“Antes você tinha acesso mais restrito. Contudo, a globalização abre espaço para o fim de muitas barreiras e os conteúdos são mais diversificados. Assim, você consegue alcançar pessoas com todo tipo de interesse. O Brasil é o quinto maior país do mundo em área, são aproximadamente 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Temos um maior número de falantes, se comparados a Portugal, isso afeta também a nossa produção de conteúdo para a Internet”, acrescenta.
Sarate diz que “a língua portuguesa é considerada uma língua pluricêntrica, ou seja, apresenta mais de uma variedade”, como “o português de Portugal, do Brasil, de Angola”.
Nesse contexto, as variedades de Portugal e Brasil “são as que têm mais peso significativo no mercado linguístico do português como língua estrangeira (PLE). Portanto, encontramos materiais didáticos que contemplam essas duas variedades, mas de formas separadas”.
“Infelizmente, muitas vezes, os materiais didáticos e alguns professores que atuam na área de PLE olham para a língua portuguesa sem considerar o aspecto pluricêntrico, sem perceber que temos muito mais a ganhar se trabalhássemos juntos em prol da língua portuguesa. O Brasil acaba por adquirir maior peso linguístico por uma série de fatores, entre eles o alcance da nossa cultura. A música é um excelente exemplo. O funk é o ritmo musical que mais exportamos e no ano de 2022 uma artista brasileira [Anitta] chegou ao top 1 global do Spotify.”
Ela destaca ainda que o Brasil investe em “políticas de promoção do português brasileiro no exterior que possibilitam a divulgação da nossa língua e cultura”.
“Precisamos considerar também que o Brasil é mais influente na geopolítica mundial do que Portugal. Somos conhecidos pelo nosso soft power, nossa diplomacia. Temos uma relação harmoniosa com todos os nossos vizinhos do Mercosul e temos fama de sermos bastante receptivos a estrangeiros, em geral. Sem dúvida, isso coopera para mais pessoas escolherem nossa variedade.”
Portugal é alvo de colonialismo cultural do Brasil?
Nas redes sociais, o avanço do português brasileiro em Portugal se tornou motivo de piada entre internautas brasileiros, com muitos deles afirmando se tratar de uma colonização às avessas por meio da cultura.
Brincadeiras à parte, Sarate explica que não há um processo de colonialismo, uma vez que não se trata de uma política de Estado, mas sim uma questão cultural. Ela descata que mesmo que algumas formas linguísticas brasileiras sejam incorporadas ao português de Portugal, isso não acarretará na extinção da variedade portuguesa.
“O fato de crianças e adolescentes estarem consumindo mais conteúdos brasileiros é um aspecto bastante positivo, já que enriquece o vocabulário e permite contato com aspectos culturais e sociais diferentes. As redes sociais são responsáveis por muitos usos linguísticos que são efêmeros, é possível que muitas formas linguísticas utilizadas por esses públicos desapareçam do vocabulário deles com o passar do tempo. Estamos falando de algumas palavras do léxico que estão sendo incorporadas no português europeu, isso não significa que afetará todo o sistema da língua, em especial, devido ao fato que mudanças linguísticas levam tempo, não são repentinas.”
Ela afirma que “não se pode negar que o Brasil é mais presente em Portugal do que Portugal no Brasil”, e diz que isso está relacionado à falta de investimento do governo português na promoção da cultura portuguesa no Brasil.
“Não consumimos a cultura portuguesa, não temos acesso a filmes, músicas e artes, em geral. Isso pode mudar ao longo do tempo, claro, mas depende de um certo investimento do Estado português na expansão da cultura e na promoção da variedade do português europeu”, conclui.
Fonte: Toda a Palavra