Mais de uma centena de cidadãos chineses com ligações académicas, profissionais ou pessoais a Portugal encontraram-se no sábado na embaixada portuguesa em Pequim numa reunião que pretende criar as bases de uma associação informal destinada a manter os seus laços ao país.
“Queremos reunir todos os chineses que têm uma ligação cultural e afectiva a Portugal. No levantamento que fizemos para organizar esta primeira reunião, encontrámos mais de 900 nomes, mas serão, de certeza, alguns milhares”, disse o embaixador português na China, José Tadeu Soares.
Cerca de 120 professores, alunos, diplomatas, jornalistas e outros profissionais chineses, incluindo convidados que viajaram de cidades como Tianjin, Xangai, Chengdu e Cantão, estiveram presentes no evento. “A associação informal, sem quotas, estará aberta a todos os chineses que estudaram português ou estudaram com professores portugueses, em Portugal ou na China, e cujo número está em rápido crescimento”, explicou o embaixador.
“É uma óptima iniciativa que inaugura uma oportunidade de convívio, diálogo e intercâmbio cultural que até agora não existiu entre os chineses com ligação a Portugal”, comentou Yao Yuexiu, 80 anos, uma das convidadas com uma longa relação com a língua e cultura portuguesas devido ao seu percurso profissional, que inclui 40 anos ao serviço da Rádio Internacional da China (RIC). “Seria óptimo que o evento se repetisse”, referiu Yao que, nos 27 anos em que fez parte do departamento de português da RIC, acompanhou o nascimento e evolução das relações diplomáticas, económicas e culturais entre a China, Portugal e os países lusófonos.
“Nós aprendemos português mas depois é importante praticar e conhecer pessoas com outras experiências associadas a Portugal ou países lusófonos”, explicou Mei Bin (ou Camilo), 21 anos, que estudou nove meses em Coimbra no âmbito da licenciatura de Língua e Cultura Portuguesa na BEIWAI (Beijing Foreign Studies University) com uma bolsa de estudo atribuída pelo Governo chinês. Cerca de 1200 cidadãos chineses estão actualmente matriculados para aprender português em universidades do Continente, segundo dados da embaixada portuguesa em Pequim.
Um idioma, duas gerações
Além da nacionalidade chinesa, Yao e Camilo partilham um sotaque que mistura tons de português de Portugal e de português do Brasil. A sua idade, as circunstâncias e as prioridades que os levaram a aprender português reflectem a evolução das relações históricas e culturais entre a China, Portugal e os países lusófonos, e explicam o aumento exponencial dos chineses interessados em aprender a língua de Camões.
“Muitas vezes à noite, antes de dormir, ainda releio ‘Os Lusíadas’ e consigo recitar alguns versos só de memória”, contou Yao. “Mais de 250 milhões de pessoas falam português em todo o mundo e Portugal tem um passado grandioso de expansão e visão alargada do mundo que é importante conhecer para entender o mundo actual”, acrescentou a ex-jornalista que, além de ser também fluente em espanhol, é capaz de recitar o poeta Alexander Pushkin em Russo.
“A hospitalidade portuguesa, o ritmo de vida relaxado, o bacalhau e a queima das fitas”, são algumas das memórias que Camilo guarda de Coimbra. “O português é cada vez mais procurado sobretudo devido às relações comerciais entre a China e os países africanos e o Brasil”, salientou o estudante universitário.
Yao começou a aprender português com leitores brasileiros em 1960 quando a RIC, a rádio oficial que divulga notícias e cultura sobre a China em mais de 20 idiomas, a desafiou a transferir-se do departamento de espanhol para a então nova secção portuguesa. “Na altura ainda nem existiam relações diplomáticas entre Portugal e a China [iniciadas em 1979], ” recordou. Yao foi bolseira da Gulbenkian em 1989, trabalhou como tradutora de uma equipa médica chinesa destacada em São Tomé e Príncipe, acompanhou a delegação de um primeiro-ministro chinês em visita oficial ao Brasil, foi tutora e escreveu centenas de artigos relacionados com a divulgação do português e da cultura portuguesa na China. “Entretanto a China abriu-se progressivamente ao mundo e as suas relações com os países de língua portuguesa desenvolveram-se nos anos 80. Com a aprendizagem mais generalizada do inglês, o português tornou-se uma vantagem comparativa porque cada vez há mais oportunidades de trabalho para quem sabe falar o idioma”, apontou Yao.
“Antes mesmo de terminarmos o curso surgem oportunidades de estágio, de fazer traduções ou até para trabalhar como guias de turistas estrangeiros”, contou Camilo, que fala inglês e optou por aprender português como segunda língua. Vários estudantes universitários referiram que, ultimamente, é preferível aprender português em vez de espanhol. “O português é cada vez mais popular. Há cada vez mais empresas chinesas a pedir profissionais que falam português, sobretudo devido aos negócios com Angola e o Brasil, ” disseram. “É cada vez mais complicado para os recém-licenciados chineses encontrarem um emprego, mas se falas português podes escolher entre várias oportunidades.”
Vera Penêda, em Pequim
FONTE: Ponto Final