Os Impérios do Espírito Santo na Ilha Terceira

A esperança na possibilidade da construção de um futuro mais justo e mais fraterno que institua um mundo melhor está inscrita em todas as culturas humanas desde os tempos mais remotos. É uma aspiração que alicerçou a dimensão mais humanizadora da cultura e constitui o móbil da elaboração de utopias que conheceram especial fortuna no milénio passado e que fecundaram o pensamento universal, especialmente desde a Modernidade.

O ano de 2016 merece ser salientado precisamente como um ano particularmente relevante para revisitar a história do pensamento utópico português e internacional, pois assinalam-se marcos centenariais de maior significado na relação com a esperança de uma palingenesia para a humanidade.

Uma das tradições mais fecundas e inspiradoras de construções utópicas que refundam a espera da possibilidade de construção da fraternidade universal é a chamada corrente joaquimita do anúncio da Terceira Idade da História.

O chamado Joaquimismo tem como matriz a teologia da História do monge calabrês Joaquim de Flora. A base da sua reflexão teológica alicerça-se numa exegese bíblica que procura um nexo concordacionista entre Antigo e Novo Testamentos, assente numa interpretação particular da teologia trinitária na sua relação modeladora diferenciada da história humana. A esta luz, a caminhada soteriológica da humanidade é entendida em linha evolutiva ascendente, visando uma perfetibilidade maior, que se consumaria num último estádio do tempo terreno por graça especialmente da Terceira Pessoa da Trindade Divina – o Espírito Santo.

A utopia da Terceira Idade, que atenderia ao ideal evangélico de paz, justiça, fraternidade, santidade, relação mais íntima com Deus, paridade, indistinção de raças, nações e estatutos sociais, esteve na base da fundação das confrarias e das Festas do Espírito Santo, que teriam tido a sua génese na Baixa Idade Média em Portugal. Estas celebrações festivas, que ganharam projeção com a expansão portuguesa, persistindo vivas especialmente nas rotas globais das diásporas emigrantes açorianas e também madeirenses, são dadas como tendo origem em Alenquer e no gesto fundador da Rainha Isabel de Aragão, esposa de D. Dinis.

Para reunir, conhecer melhor e celebrar com os que se interessam pelas “tradições do Espírito Santo” têm-se, de alguns anos a esta parte, realizado regularmente congressos internacionais dedicados a este caleidoscópico campo temático, tanto nos Açores, como no Brasil, nos Estados Unidos e no Canadá.


A Câmara Municipal de Alenquer entendeu por bem promover pela primeira vez em Portugal continental, em parceria com a Confraria de Santa Isabel de Coimbra e em cooperação com o CLEPUL da Universidade de Lisboa, o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, o Centro de História da Sociedade e da Cultura, e outras instituições científicas nacionais e internacionais, um grande congresso internacional do Espírito Santo. Este evento científico, sob o largo tema do Espírito Santo e a sua fecundação de utopias de concórdia, fraternidade, harmonia, paz e justiça sobre a terra, propõe-se também assinalar a passagem de cinco importantes datas centenariais que se interligam na esperança ativa da construção de um mundo unido e melhor:
– Os 800 Anos da Fundação da Ordem Franciscana e a relevância dos Franciscanos na promoção das festas do Espírito Santo e da expectativa da chegada de uma era de paz e fraternidade universal entre os homens e mulheres do mundo inteiro.
– Os 500 Anos da Beatificação da Rainha Santa Isabel, com o seu exemplo de vida e de caridade cristã, modelar para a promoção do clima de paz, harmonia, concórdia e fraternidade, na esteira da espiritualidade franciscana, bem como o papel pioneiro que lhe é atribuído como patrona de tradições celebrativas e de confrarias do Espírito Santo, marcando a sua génese na vila de Alenquer.
– Os 500 Anos do Primeiro Compromisso Impresso das Misericórdias, que representam em Portugal uma moderna e original iniciativa prática de institucionalização da utopia da solidariedade e fraternidade, herdeiras de experiências confraternais de origem medieval como as confrarias do Espírito Santo, mas exibindo um pendor universalista, que representa e anuncia o advento de sociedades mais equânimes, solidárias e atentas aos mais frágeis e desprotegidos.
– Os 500 Anos da publicação da Utopia de São Tomás Moro, que cunha o conceito que passou a servir para designar os projetos de uma vida em sociedade mais bem governada e harmónica, projeto ainda não concretizado, mas reconhecido como possível.
– Os 300 Anos da criação do Patriarcado de Lisboa que, de algum modo, significa o reconhecimento da centralidade de Lisboa no processo moderno de globalização do cristianismo e do lugar de liderança que lhe foi atribuído pelo pensamento utópico português e não só na inauguração de uma nova ordem mundial em nome do ideal da fraternidade e da concórdia entre todo o género humano.

Este congresso decorrerá em 3 momentos: na Universidade de Coimbra, na Fundação Calouste Gulbenkian e na Câmara de Alenquer. O evento está aberto quer à participação de estudiosos que desenvolvem ou pretendam desenvolver investigação e apresentar conhecimento crítico inovador no quadro dos painéis temáticos previstos para a arquitetura programática do congresso, quer a grupos e a pessoas individuais que queiram apresentar performances ou vivências de tradições do Espírito Santo, previstas para os dois últimos dias.

Pretende-se, pois, que este congresso internacional seja um espaço de encontro fraterno e de partilha, que promova pesquisa e investigação aprofundada em torno das efemérides assinaladas, e que, simultaneamente, possa dar a conhecer, do ponto de vista da cultura popular, o que se vive e se recria nas comunidades internacionais da diáspora portuguesa em torno das tradições do Espírito Santo.

No dias que correm, marcados por um profundo sentimento de crise e de incerteza em relação a um futuro de paz no mundo e de equilíbrio ecológico, revisitar a génese e a evolução da utopia da fraternidade universal, as suas tradições e tentativas de concretização pode ajudar-nos a repensar a sua atualidade e inspirar-nos a projetar futuros possíveis, fundados na esperança ativa de um mundo mais justo e mais harmonioso.

É essa a grande função da utopia, realizar a palingenesia: atualizar a esperança e afrontar a crise, o sentimento de depressão e de ruína moral e ética do presente, para encontrar caminhos de superação e de progresso em favor do melhoramento da vida humana, em harmonia e felicidade na nossa casa comum que é o planeta terra; atualizar e recriar em cada tempo a utopia e a utopia inspirada nos valores humanizadores e plenificadores do Espírito Paráclito, contribuindo, assim, para uma reflexão sobre a cidadania do futuro.

Conheça o Programa do Congresso Internacional do Espírito SantoCongresso Espirito Santo

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