Questionado pelos jornalistas sobre a atual tensão nas relações entre Portugal e Angola, o escritor afirmou que acha que “é normal em países que partilham uma história tão antiga”.
“Eu penso que há tensões que são, digamos, mais ou menos acentuadas, e penso que é normal em países que partilham uma história tão antiga, o tipo de sensibilidade e carinho”, disse, para acrescentar em seguida: “na política é normal, o importante é haver respeito pela dignidade de cada Estado”.
“A gente opina e interfere nos países dos outros, com sensibilidade e a delicadeza que isso pode gerar ou não, mas enfim, acho que é legítimo que cada um dos oito países de Língua Portuguesa comente situações políticas dos outros países”, disse, realçando a importância do espaço comum da Língua Portuguesa.
Sublinhando que não é “comentador político”, Ondjaki afirmou desconhecer “o que está na causa na tensão entre os dois países”, mas considera “normal e até de certa maneira saudável que cada vez que se traz um tema para debate, enfim [esse tema] pode ser equacionado. Podem surguir novas ideias e as pessoas vão revelando as suas opiniões”.
Referindo-se a Angola, afirmou: “o que desejo para o meu país, desejo para todos os países do mundo, que consigamos falar, debater, respeitando as convicções de cada um, sem atropelar nem direitos nem vozes”.
Quanto ao prémio, instituído há 15 anos pela Fundação Círculo de Leitores para incentivar jovens escritores de Língua Portuguesa, Ondjaki salientou a “honra” de o ter recebido, mas que isso não irá alterar o que irá escrever.
“Estou hoje eu aqui, como podia estar qualquer colega meu”, disse.
“Tenho que escrever de acordo com aquilo que tenho para dizer e naquilo que acredito; se estas duas condições não estiverem reunidas não devo escrever”, asseverou
“Há determinados prémios cuja relevância e dimensão eu não quero levá-los sozinho, quero dividir com os meus país com as pessoas que se identificam com a literatura angolana e é isso que fiz aqui, ao dedicar o prémio a Angola”, declarou.
Referindo-se ao romance, publicado o ano passado pela Editorial Caminho, o autor afirmou que “’Os transparentes’ estão em toda a parte do mundo. No fundo, são as pessoas a quem devemos respeito, com quem às vezes queremos contar e que depois caímos na tentação de esquecer. Esse papel é feito por várias pessoas em determinados momentos”.
“Hoje não somos, amanhã seremos transparentes, e isso é que é preciso questionar; quando é que somos transparentes, quem é que nos torna transparentes ou invisíveis e qual é o lugar desses transparentes na sociedade de hoje”, rematou.
Ondjaki, de 36 anos, natural de Luanda, afirmou que acredita que “os livros possam mudar alguma coisa no mundo”.
O autor afirmou que não sabe se o romance “Os transparentes”, cujo cenário é Luanda, é lido na capital angolana.
A escritora brasileira Nélida Piñon, membro do júri do Prémio, considera que “o romance traz-nos a voz da África. A arte da África. Aviva os lamentos de Luanda e do mundo”.
“No seu curso narrativo, o autor empurra para a minha consciência o terror que o poder inspira e a desconfiança quanto às ações humanas. Mostra-nos que a literatura, além de uma dimensão estética, de sua voracidade ficcional, faz-se de uma verdade que não burla, que diz respeito a cada leitor”, acrescenta a escritora.
Ana Paula Tavares, também do júri, realça que “o prédio, lugar central do romance [“Os Transparentes”], é um lugar de memória do que poderia ter sido o sonho de toda uma sociedade harmoniosa e justa como no princípio dos tempos se pensava, para ser apenas isso, a memória alimentada por um quotidiano perverso”.
Um “quotidiano perverso”, prossegue a poetisa, “onde se descobrem e multiplicam todas as maneiras de sobreviver, ganhar dinheiro, ficar ‘ainda’ vivo na escuridão que adensa o labirinto e onde é preciso ter-se sido iniciado para conseguir desenrolar todos os fios da teia imensa que contorna o abismo”.
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