O Prof. Doutor Marco Neves fala-nos do seu mais recente livro “História do Português desde o Big Bang”.

“Pensemos no princípio: quando nasceu a nossa língua?
Terá sido quando alguém escreveu o nome «português» para se referir à língua dos Portugueses? Mas quando tal aconteceu, a língua já andava na boca dos falantes, com características muito próprias, havia séculos. Ou terá sido quando apareceram os primeiros textos? Mas para se escrever um texto numa língua, a língua já tem de existir… Talvez quando o latim aqui chegou, sofrendo alterações espicaçadas pelas línguas que já cá se falavam? Mas o latim já sofria alterações antes de cá chegar e continuou simplesmente a mudar, sem grande interrupção e sem que ninguém pensasse que estava a criar uma língua nova. O próprio latim já vinha de antes, doutra língua de que não conhecemos o nome que lhe davam os falantes. Essa outra língua também já vinha de trás, doutra língua que também vinha de outra língua, numa sucessão de falares até ao início da linguagem.
Se quero contar a história toda, tenho de contar o que sabemos da história da linguagem humana − mas, para compreendermos o que se sabe da origem da linguagem (que não é muito), temos de pensar na origem do ser humano (e aí já sabemos mais). Para compreendermos a origem do ser humano, temos necessariamente de compreender a evolução das espécies − e, por fim, pensamos na origem da vida. Por fim? A vida desenvolveu-se sob as pressões naturais da Terra. Para contar esta história desde o início temos de recuar à criação da Terra − e talvez do Sistema Solar.
Enfim! Vamos mesmo ao princípio. Comecemos no Big Bang.
*
O livro que tem nas mãos é uma homenagem à sua curiosidade − a essa vontade de saber mais que caracteriza o ser humano. Talvez queira saber mais sobre a língua ou talvez queira apenas perceber como pode um livro sobre o português começar no Big Bang. Poderá dar-se o caso de estar a folhear o livro movido apenas pela indignação de ter encontrado uma história da nossa língua com duas palavras inglesas no título. Seja qual for o caso, tentarei mostrar o percurso da nossa língua, não sem antes descrever o percurso da Humanidade e, antes de surgir esta espécie particular, a história do Universo.
O conhecimento humano tem uma continuidade que nem sempre se nota quando lidamos com as esmiuçadas disciplinas em que nos dividimos. Não que a especialização não seja benéfica: é com um profundo interesse individual numa parcela diminuta da realidade que a humanidade alarga o círculo do conhecimento; sabe bem, no entanto, levantar a cabeça e perceber o lugar que ocupa no Universo aquilo que nos interessa em particular. Foi isso que tentei fazer neste livro: pensar na língua começando por olhar para o Universo. A ideia parte de um jogo, mas o resultado é uma exposição séria sobre a História da nossa língua vista na perspectiva mais geral possível. Esta perspectiva geral terá desvantagens, mas permite-nos, pelo menos, perceber que tão interessante como tudo o que distingue o português de outras línguas é aquilo que a nossa língua tem de típico enquanto língua humana. Afinal, usamos a língua por inteiro, não apenas o que calhou distingui-la dos outros falares humanos − e usamo-la para tudo, até para conversar sobre o início do Universo

 

 

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Marco Neves

Docente na NOVA FCSH e investigador no CETAPS. É tradutor desde 2002 e autor de vários livros sobre a língua portuguesa e a linguagem humana. Escreve regularmente no SAPO 24 sobre temas linguísticos e mantém a página Certas Palavras (www.certaspalavras.pt).
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