Como vê a questão da Língua Portuguesa em Macau?
RZ – Já soube que a administração portuguesa descurou durante muito tempo a promoção da Língua. A Língua é hoje uma das riquezas portuguesas. E vejo, infelizmente, muitas vezes um desprezo pela Língua. Não tenho dúvidas que o grande promotor do português é o Brasil. Só as pessoas que vivem em Coimbra de Baixo é que não sabem isso. O português tem futuro se percebermos que a nossa riqueza é a aliança.Se começa a haver muita gente a dizer: “Ah, aquilo é mal falado”, como já ouvi de um professor de um filho meu, estamos a dar um tiro no pé. Acabamos a falar finlandês, acabamos a falar uma língua que não tem projeção. O português é, de facto, atraente para uma parte da China porque há interesses culturais e comerciais não só com Portugal, mas também com o Brasil, com Angola, com Moçambique.
Isso quer dizer que é a favor do Acordo Ortográfico?
RZ – Isso quer dizer que o Acordo Ortográfico é uma questão que não me aflige. Não sou a favor nem contra, porque sou contra esta confusão. Acho que nos últimos dois anos as pessoas contra e a favor do Acordo parecem aqueles casais que gostam tanto dos filhos, querem cada um ficar com a custódia dos filhos, que acabam por os enviar para o psicanalista. No mundo da Internet, cada vez mais globalizado, um jovem português fala no Facebook com amigos do Brasil. Aquilo que fazia os sotaques diferentes, as palavras diferentes, vivia do isolamento. Porque é que num país é “goleiro” e noutro é “guarda-redes”? Porque nenhum dos países tinha referente. Mas num mundo em que o Atlântico já não é um mar, mas um rio, o português tem futuro porque é uma das grandes Línguas de cultura internacional no mundo, é uma Língua que viaja. Por isso temos de nos aliar e não dar um tiro no pé. Não sei se o Acordo Ortográfico é bom ou mau, mas sei que a discussão brutal nos últimos dois anos é um tiro no pé.
Já tem ideias para o conto?
RZ – Já comecei a escrever. Tenho uma página de dois contos. Não sei ainda se os dois contos vão ser variantes do mesmo, não sei se vou fazer microcontos, numa espécie de mosaico. Neste momento tenho histórias a nascerem-me a cada 30 segundos. Segunda-feira, escrevi isto: “Um português e um chinês fotografam a mesma coisa. Um porque a acha curiosamente chinesa, o outro porque a acha exoticamente portuguesa.” Isto aconteceu-me ontem ao pé das Ruínas [da Catedral] de São Paulo; descobri que eu e um chinês estávamos a olhar para a mesma coisa e por motivos contrários. Outra nota: “Na Calçada das Verdades entro numa loja. O dono não se perturba, está a jogar e jogar é mais importante. Ao fim de um bocado decido ir-me embora, até que chega a mulher e lá compro o chá.” As ideias surgem e tomo notas, vou fazendo desenhos.
O seu novo livro A Instalação do Medo não é um livro humorístico – pode ser lido como uma alegoria à difícil situação que Portugal atravessa –, mas acaba por partir de um conceito com bastante graça.
RZ – Pensemos n’A Metamorfose de Kafka: Gregor Samsa acorda de manhã e descobre que está transformado em barata. Há uma leitura trágica daquele texto, que é a antevisão do fascismo, mas há também uma leitura cómica. Neste meu texto, a ideia não é ser cómico ou deixar de ser cómico; a ideia é absurda: dois homens vêm para instalar a TV Cabo, mas, ao invés da TV Cabo, é uma coisa abstrata chamada Medo. Implica que o leitor, desde logo, decida se quer seguir ou não o texto. Sabia sobre o que é que este livro era para ser – a estrela do livro é o horror económico, é o “economês”. Mas como não podia falar só sobre isso, decidi encontrar uma estrutura: dois homens batem à porta de uma mulher e dizem: “Bom dia minha senhora, vimos instalar o medo”. Têm um catálogo de medos – o primeiro medo é o da infância. Eu tinha duas leituras no princípio. Escrevi primeiro uma versão em que explicava o ponto de vista da mulher, que estava angustiada. Depois fiz uma outra versão mais neutra. A primeira seria muito para mostrar a revolta dela, a humilhação dela. E de repente descobri que era muito mais interessante, até para o mistério da narrativa, nunca mostrar a mulher por dentro e deixar que o leitor tire as suas conclusões. Decidi mostrar mais os dois homens e depois ir humanizando, porque a verdade é que os filhos da mãe são humanos. É um livro que tem uma característica que têm muitos textos meus: têm humor, mas depois tiro-o. Na primeira lavagem têm humor, mas depois faço mais duas lavagens para que fiquem apenas como uma vaga poeira. Há ali humor, porque há um diálogo entre as personagens e a certa altura estão a repetir tantos clichés económicos que, para mim, aquilo tem piada. Mas é uma piada angustiante, não é para fazer rir – ou seja, será para fazer rir o espírito, mas não para fazer rir a cara. Ler o artigo completo.