Segundo o jornal PÚBLICO de 10/4/14, o parlamento da Galiza aprovou por unanimidade uma lei, com a entrada em vigor no passado dia 09/4/14, que obriga o governo galego a introduzir o Português, progressivamente, na aprendizagem em todos os níveis de ensino e a estreitar laços económicos e culturais com os países da lusofonia
A Galiza é a região espanhola que mais se identifica com Portugal, por ter uma história inseparável de Portugal, desde as primeiras formas de cultura humana até ao séc. XII, altura em que ocorreu a fundação da nacionalidade portuguesa.
A Gallaecia (Galécia, Galiza), província do ímpério romano, era formada, administrativamente, por três partes: conventus bracarense (Braga), lucense (Lugo) e asturiense (Astorga). Foi o imperador Caracala que, em 212, constituiu Braga como capital da Galécia, que se estendia do Douro ao mar Cantábrico. Por isso, Braga de hoje é considerada para alguns historiadores como “o espírito daquela Gallaecia desmembrada”.
Com Afonso VI (avô de D. Afonso Henriques), em 1072, são reunidos os territórios que haviam sido governados por Fernando Magno, ou seja, Castela, Leão, Astúrias, Galiza e Portugal. Na luta contra os mouros, Afonso VI pede auxílio aos barões franceses, Raimundo e seu primo Henrique da Borgonha, que haviam de casar, respectivamente, com as suas filhas Urraca e Teresa, entregando-lhes, respectivamente, a Galiza e o condado Portucalense. Em 1128, a batalha de S. Mamede, em Guimarães, opôs de um lado os partidários de D. Afonso Henriques, apoiados também pelo arcebispo de Braga, D. Paio Mendes, cioso da sua independência, face ao prelado de S. Tiago de Compostela, Gelmirez. Do outro lado, estavam os apoiantes de D. Teresa e de Trava, estes, por sua vez, apoiados pelo arcebispo Diego Gelmirez. A partir daqui, embora separados politicamente, galegos e portugueses, formando uma unidade histórica galego-portuguesa, tinham ficado com um património cultural comum que se havia de manter ainda por muitos anos.
O galego e o português são, pois, línguas resultantes da evolução que, na faixa ocidental da Península, teve o latim vulgar falado. Os dois dialectos tiveram vida comum, como se vê nos cancioneiros, pois os trovadores galegos e portugueses trovaram na mesma língua de então: o galaico-português.
Se compararmos os textos portugueses e os galegos dessa época, reconhecemos entre ambos completa semelhança, na fonética, na morfologia e na sintaxe. E até no léxico pouco divergem. Portugal, porém, marcando a sua independência política, veio a fixar o seu Idioma em língua literária, enquanto a Galiza, presa a Castela politicamente e deixando de ser escrita (pois a língua oficial passou a ser o castelhano) estacionou, ficando apenas falado domesticamente.
Se até meados ou fins do séc. XIV, podemos falar de um galego-português (galaico-português), devido a uma quase total identidade entre a língua de Portugal e a do Noroeste da Península (província da Galiza), a partir dessa altura quebra-se essa unidade e cada língua segue separadamente a sua evolução, com a Galiza a sofrer a influência do espanhol. De todo o modo, essa influência não apagou o parentesco com o português.
O historiador Alexandre Herculano retrata muito bem a identidade comum dos dois povos, numa carta que em 25 de Julho de 1874 enviou, de Vale de Lobos (Santarém), ao seu amigo Benito Vicetto, autor da História de Galicia: “A Galiza é um país altamente simpático a Portugal. A Galiza está, a meu ver, em mais íntima conexão de raça, de tradições, de costumes e até de configuração do solo e em produções, com Portugal (sobretudo com as nossas províncias do Norte) do que com Castela. A Galiza deu-nos população e língua. Entre o Minho e Mondego talvez não haja uma antiga aldeia cujo nome não seja a reprodução do nome de um povo de uma povoação galega, um apelido de família nobre que não traga a sua remota origem dessa região. Cantigas galegas passam ainda hoje por obras de antiquíssimos trovadores portugueses, o que, no entanto, não é impossível. O português não é senão o dialecto galego, civilizado e aperfeiçoado”.
Como se vê, são mais os elementos histórico-culturais que unem galegos e portugueses do que aqueles que os separa. O desenvolvimento da actividade cultural e do turismo pode ajudar a uma melhor compreensão dos dois povos irmãos.
NARCISO MACHADO, Juiz desembargador jubilado, narciso.machado@gmail.com
Fonte. Público