De uma vez que vim ao Brasil, lembro-me de ter pedido uma informação a alguém e de esse alguém me anotar, ao dar-ma que eu tinha “sotaque português”. Sorri por dentro, que era onde começava o sorriso, a ternura complacente que vinha nele.
Porque me parecia que a nós é que era lícito falar do sotaque dos outros: do brasileiro, talvez do guineense, do cabo-verdiano, angolano, moçambicano ou timorense.
Mas de imediato me lembrei de que em Portugal há também variado falar com sotaque, desde o algarvio ao alentejano, ao beirão, ao ilhéu, ao portuense e talvez mesmo ao lisboeta.
O português é uma língua cujo centro está em toda a parte ou seja em nenhuma.
Ou digamos, para simplificar, que o lugar em que decisivamente o português não tem sotaque é nas grandes obras de arte que nele fomos criando, nomeadamente na de Camões.
VergíIio Ferreira, in Jornal de Letras (texto com supressões)