Banguecoque, 02 abr (Lusa) – Pathorn Sequeira tinha 13 anos quando iniciou uma das mais importantes relações da sua vida: entrou para a banda do rei da Tailândia, com quem tocou saxofone, e foi Bhumibol Adulyadej quem insistiu que procurasse as raízes portuguesas.
Quando o assunto é o monarca, que morreu em outubro do ano passado, Pathorn Srikaranonda de Sequeira, de 44 anos, – músico, compositor, professor, fundador do conservatório de música da Rangsit University – não poupa palavras. “Sabia sempre o que dizer, o que fazer, como fazer. Não era apenas um rei para mim, mas como um segundo pai, o meu mentor, o meu professor, tudo”, diz em entrevista à Lusa.
Se a relação que desenvolveram se distingue pela proximidade, o grau de devoção assemelha-se ao de muitos tailandeses, não fosse Bhumibol Adulyadej um dos homens mais adorados do país. Meses após a sua morte as ruas de Banguecoque continuam adornadas de decorações fúnebres e praticamente todas as instituições, públicas e privadas, exibem mensagens de pesar.
Entre as características mais distintivas do monarca – que Sequeira descreve como “um homem da renascença, que tinha interesse em tudo” – está a música, em particular o jazz, estilo que veio a conhecer quando, em jovem, estudou na Suíça.
O jazz “entrou na identidade tailandesa”, em grande parte devido à influência de Bhumibol Adulyadej, que levava a sua banda, a Au Saw Friday, com pouco mais de dez pessoas, a tocar em eventos públicos e num programa semanal de rádio.
Na família Sequeira, o jazz é de longa tradição: o avô já o tocava e o pai também, ao piano, na Au Saw Friday, durante quase 70 anos. “Quando tinha cerca de dez anos comecei a ir às sessões de música e vi que o rei tocava saxofone, gostava muito disso e disse ao meu pai que queria ser saxofonista”, recorda.
O pai, Raymondo, ensinou e incentivou, até que, aos 13 anos, achou que o filho estava ‘no ponto’ e podia atuar perante o rei:
“Toquei uma música de jazz chamada ‘Theme’, é uma espécie de música de ‘big band’. Começámos a tocar a parte do saxofone, havia cinco partes – dois altos, dois tenores e um barítono – e eu toquei o segundo alto, o rei o primeiro. Gravámos, e da segunda vez que tocámos, trocámos os papéis”.
Pathorn, a única criança da banda, começou assim uma aventura pessoal e profissional que veio a definir a sua vida.
Um ano depois de integrar a banda, o rei enviou-o para estudar música nos Estados Unidos e quando regressou deu-lhe a missão de aperfeiçoar as 49 composições reais. Hoje, o músico corre o mundo com a banda (de que fazem parte os seus alunos) com o objetivo de divulgar as peças do monarca.
Apesar da grandeza com que é frequentemente descrito, o monarca era também dotado de sentido de humor, garante o músico, lembrando o programa de rádio nos anos 1950 em que a banda real aceitava ‘discos pedidos’.
“As pessoas ligavam. O meu pai dizia que quando não conseguiam tocar [a música pedida], faziam outra coisa”, descreve, contando que era o rei quem frequentemente atendia o telefone, sem se identificar. “Provavelmente dizia ‘Olá, fala o operador’. Era um homem muito engraçado”, aponta.
A música continuou a ter um papel fundamental na vida do monarca, até durante os muitos anos em que esteve hospitalizado.
“Quando entrou para o hospital há sete anos, esteve em coma durante cerca de um mês e não sabíamos o que fazer. Pensámos ‘Quando retomar consciência, talvez possamos usar a música como terapia’. Tentámos tocar para ele e começámos a envolve-lo, pedimos-lhe para tocar connosco. Foi milagroso, funcionou. Há quatro anos ele tinha recuperado”, lembra.
Além de mentor da carreira musical, Bhumibol Adulyadej mostrava-se também interessado nas raízes portuguesas de Sequeira, que apesar de ciente da sua ‘portugalidade’ não tinha consigo documentos suficientes que traçassem o percurso da família e permitissem um pedido de passaporte.
“Quando eu era jovem, na minha casa, o meu pai falava sempre disso, da nossa herança portuguesa. Entre os seus cinco irmãos todos têm nomes portugueses. Um traço importante é a religião (católica), já que mais ninguém aqui a professa. Essa é uma herança forte na família. Em casa usamos as palavras ‘parabéns’, ‘obrigado’, essas coisas. Mas não falamos (português). Mantemos uma árvore genealógica, temos um brasão que pertencia ao meu trisavô, temos essa portugalidade”, descreve o músico, que visitou Portugal diversas vezes.
Segundo Sequeira, o rei “falava várias vezes” sobre a herança portuguesa do ‘protegido’ e foi ele que o incentivou a procurar mais.“Disse-me que pediu à embaixada os documentos que conseguissem encontrar sobre a minha família. Foi o rei que os pediu. Depois recebemos uma espécie de árvore genealógica, que vai até ao trisavô”, conta.
A procura de linhagem anterior levou Sequeira a Macau, de onde a sua família portuguesa partiu para a Tailândia. Apesar de o pai já ter nascido em Banguecoque, não foi registado como tailandês, por ser tido como estrangeiro. Os documentos encontrados na embaixada indicavam que o avô veio a Macau registar os filhos como portugueses. Em Macau, Sequeira procurou, e encontrou, um registo de batismo que provasse que também o bisavô era português.
A busca foi motivada pelo interesse em genealogia, mas também pela possibilidade de poder pedir, juntamente com o pai, um passaporte português.
Ter o documento seria “especialmente importante” para o pai, com 89 anos. “Vai demorar algum tempo, mas é algo importante para ele, são as raízes dele, a sua identidade”, explica.
Depois de 16 anos musicalmente dedicado ao rei, Sequeira coloca pela primeira vez a possibilidade de deixar a Tailândia: “Não queria ir para outro lado. Só depois de outubro do ano passado, quando ele morreu, senti que tinha de seguir em frente”.
ISG // PJA
Lusa/fim