O apocalipse dos trabalhadores

Numa sala repleta de gente, Vitália Rodrigues, em nome do grupo Lisez L’Europe, no papel de mestre de cerimónias, deu a palavra aos vários atores e participantes da sessão. Referiu que o Círculo de Leitura Europeu se reúne todos os meses para discutir uma obra europeia contemporânea de relevo de um autor dos países membros: Alemanha, Áustria, Catalunha, Espanha, França, Itália e Portugal. Cada país é, geralmente, representado por um instituto e ou consulado. As participações de Portugal nas várias iniciativas do Projeto Lisez l’Europe contam com:Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, Estudos Portugueses e Lusófonos da Universidade de Montreal e Consulado-Geral de Portugal em Montreal.

A sessão começou à hora prevista com as palavras de boas-vindas do diretor do Departamento de Literaturas e Línguas Modernas da Universidade de Montreal, Juan-Carlos Goddenzi, que realçou o empenho do departamento que dirige neste tipo de iniciativas, com o prazer acrescido de contar com a presença de um grande escritor europeu e um elevado número de pessoas para, com ele, trocar impressões literárias, à volta de um apocalipse ficcionado dos trabalhadores.

Luís Aguilar, professor responsável pelos Estudos Portugueses e Lusófonos da Universidade de Montreal e docente doCamões, Instituto da Cooperação e da Língua, animou o debate e apresentou o escritor, que considerou ser uma das grandes revelações da literatura portuguesa do pós Revolução dos Cravos de 1974, cujos romances fazem com que a língua portuguesa renasça. Valter Hugo Mãe, nascido em Angola em 1971, viveu desde sempre em Portugal, onde se diplomou em Direito e pós graduou em Literatura Contemporânea Portuguesa, é hoje um dos maiores escritores portugueses, um “tsunami” literário como lhe chamou o nosso Nobel, aquando da atribuição do Prémio José Saramago em 2007, pelo seu primeiro romance, O Remorso de Baltazar Serapião. Em 2012, Valter Hugo Mãe foi, igualmente, o vencedor do Grande Prémio Portugal Telecom para o melhor romance, A Máquina de Fazer Espanhóis. Para além das obras citadas, o escritor publicou mais quatro romances (O Nosso Reino, O Apocalipse dos Trabalhadores, O Filho de Mil Homens e A Desumanização). As suas obras estão traduzidas em diversas línguas. Tem vários poemas publicados emContabilidade e quatro livros ilustrados de histórias para a infância (O Rosto, As Mais Belas Coisas do Mundo, A História do Homem Calado e A Verdadeira História dos Pássaros). Escreve artigos em diversos jornais e revistas, de que se sublinham as suas participações regulares no Jornal de Letras e no Público. Valter Hugo Mãe, para além da intensa atividade literária é, igualmente, vocalista do grupo musical Governo – grafista, editor, performer e desenhista.

A obra apresentada, em edição francesa nesta sessão,  O Apocalipse dos Trabalhadores, é o terceiro livro de uma tetralogia iniciada em 2004 e terminada em 2010 e é uma das obras centrais do escritor.

L’Apocalypse des travailleurs (O apocalipse dos trabalhadores), de Valter Hugo Mãe, é o primeiro romance traduzido em francês por Danielle Schramm (excelente tradução há que referi-lo.) e publicado pela editora francesa Métailié,  mostra-nos a beleza escondida das mulheres simples que passam despercebidas.

Valter Hugo Mãe, apresentou, de forma breve, a obra e leu um extrato da mesma, sobretudo, para as pessoas que não haviam lido o livro, mas que temos a certeza irão lê-lo, tal foi a corrida à procura de um exemplar na livraria Olivieri, que esgotou todos os exemplares disponíveis da edição francesa e recebeu inúmeros pedidos para a aquisição de exemplares da edição portuguesa.

Seguiu-se um período de pergunta-resposta sobre vários aspetos do livro, mas as questões que formularam aqueles que não leram a obra encavalitaram-se na análise literária do livro escolhido. Valter Hugo Mãe respondeu, então, a questões de toda a ordem, com emoção, espontaneidade, dinamismo autenticidade e com a convicção de quem nelas pensa em permanência, sem que tenha, no entanto, uma resposta nem pré-feita nem perfeita: a sobrevivência do livro sobre suporte papel em relação à edição digital, ainda nos seus começos mas que virá a ocupar um lugar privilegiado; a morte (se eu morresse agora mesmo, sentiria que a vida tinha sido interrompida mas que estaria completa); a velhice (a feliz idade, a digna idade), a maternidade e ou paternidade, a humanização. Temas que percorrem, afinal, a sua obra. E, claro está, a questão sobre a forma como (não) dispõe ou utiliza os sinais gráficos nas suas obras: malabarista das palavras que as utiliza com precisão, esta e não outra, não havendo lugar para sinónimos e onde os antónimos são bem-vindos e as interrogações e as estupefações é o leitor quem decide onde colocá-las, o Valter escreve sem maiúsculas, pois na fala o leitor prescinde delas, explica. Não se trata de uma bizarria mas de uma filosofia de escrita que prescinde, igualmente. de quase toda a panóplia sinalética habitual (pontos de interrogação e de exclamação, travessão, aspas, reticências…). Muitos são os que consideram esta atitude do escritor uma homenagem a António Lobo Antunes que no seu romance A Ordem Natural das Coisastinha proposto romper com a linha reta da narrativa clássica. Inspiro-me, sobretudo, em Al Berto, precisa Valter Hugo Mãe que explicou porque nos seus primeiros quatro romances escreveu com minúsculas… no discurso oral ninguém fala com maiúsculas, as palavras têm todas o mesmo valor, por isso escrevo em minúsculas para colocar no papel a forma mais fiel da oralidade.

É de realçar a presença significativa e interessada de elementos da diáspora que têm vindo, sucessivamente, a aumentar. Não pouparam elogios a Valter Hugo Mãe e sublinharam a importância de iniciativas deste teor, para a internacionalização de um dos bens maiores que Portugal tem, a sua pujante literatura e que tem sido até há pouco tempo um dos seus parentes pobres, a ovelha negra da sua evolução cultural, confessam alguns. E, de facto, a literatura portuguesa e lusófona tem-se afirmado nestas terras frias da América do Norte nos últimos cinco anos, num trabalho paciente e continuado. Para isso muito tem contribuído o projeto Lisez l’Europe, a que pertencemos, com a presença de escritores portugueses quer no Fil – Festival international de littérature e Metropolis Bleu, nas celebrações do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor e no Círculo de Leitura Europeu tendo participado já nestas iniciativas,  Lídia Jorge ,  Francisco José Viegas,  João Tordo,  Mia Couto e Valter Hugo Mãe. Para além da presença destes escritores, outros por aqui foram lidos e analisados: José Saramago,  António Tabucci, António Lobo Antunes, e Fernando Pessoa, sem esquecer as inúmeras sessões de cinema, a partir de obras de autores portugueses, de Eça de QueirósLídia Jorge e Mia Couto. Ler mais »

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