Novo romance de Bruno Vieira Amaral (“Não aconteceu, mas é verdade”)

Bruno Vieira Amaral recebeu os prémios Livro do Ano da revista Time Out, Fernando Namora, PEN Narrativa e Saramago pelo seu primeiro romance.

Lisboa, 06 abr (Lusa) – No seu mais recente romance, “Hoje estarás comigo no paraíso”, Bruno Vieira Amaral desenha a investigação do assassínio de um primo, morto no bairro onde ambos viviam e, nesse processo, recupera e constrói as suas memórias da infância.

Bruno Vieira Amaral recorre à frase “Não aconteceu, mas é verdade”, do “filósofo ‘pop star’” esloveno Slavoj Žižek, para descrever à agência Lusa o livro que acaba de editar e que estará nas livrarias a partir de sexta-feira.

Trata-se de um romance com alguns elementos autobiográficos, mas insuficientes para um livro de não ficção ou para contar a história que Bruno Vieira Amaral queria contar: a do homicídio do seu primo João Jorge, no início dos anos 1980, quando o escritor tinha sete anos.

Em entrevista à agência Lusa, o autor, que recebeu os prémios Livro do Ano da revista Time Out, Fernando Namora, PEN Narrativa e Saramago pelo seu primeiro romance, conta que decidiu fazer a investigação literária do homicídio do primo, usando essa mesma investigação para recuperar, mas também criar, memórias pessoais e familiares.

“É um pouco como um trabalho de arqueologia. O trabalho de construção de memória tem um pouco a ver com isso. Pegar em algumas memórias e, a partir dessas memórias, reconstituir toda aquela época”, diz.

O escritor peruano Mario Vargas Llosa, um dos seus preferidos, chama-lhe “realidade fictícia”, porque a dada altura deixa de ser tão importante os factos, e aquilo que se escolhe contar e o que se escolhe omitir contribuem igualmente para a criação dessa “realidade autónoma e fictícia”, diz.

“Diria que, a partir de um determinado momento, quis que o leitor acreditasse em tudo, mesmo naquilo que não aconteceu”, sendo certo que no final, entre a amálgama de memórias verdadeiras e criadas, resulta uma história real.

Para a reconstituição da personalidade e do percurso da vítima na noite em que foi assassinada, o escritor recorreu não apenas às suas recordações da infância, da família, do bairro, dos seus moradores, de Angola antes e depois da independência, e da figura ausente do pai, mas também a arquivos de imprensa da época, arquivos judiciais, testemunhos e à própria literatura.

No seu romance, Bruno Vieira Amaral recorda quando leu “Crónica de uma morte anunciada”, de Gabriel Garcia Marquez, e a forma como essa leitura despertou um “eco adormecido”: “Eu já ouvira uma história semelhante. Era a história de João Jorge”.

Mas não foi essa leitura que inspirou a criação do atual romance, que só começaria a ser concebido anos mais tarde, durante a escrita do primeiro livro. O ponto de partida foi a incapacidade de o autor se lembrar do primo.

“Eu lembro-me perfeitamente de a minha avó me dizer que tinham matado o João Jorge, sabia quem era o João Jorge, mas não tenho nenhuma memória dele e isso sempre me intrigou bastante”.

“Porque é que nós nos lembramos de certos acontecimentos de uma forma tão nítida e há outros que parece que já estamos a recordar quase que em segunda mão – não o acontecimento em si, mas o que recordamos de ter recordado? E todo esse processo, todas essas camadas que se vão sobrepondo à memória, na verdade, são a matéria-prima deste romance”, explica.

Ao todo, foram três anos para escrever “Hoje estarás comigo no paraíso”, segundo romance do escritor, que começou a ser elaborado em 2013 – ainda antes de o primeiro ser publicado – sem grande disciplina, apenas quando havia tempo livre: férias, fins-de-semana, à noite ou nos transportes.

No ano passado deixou a editora Bertrand Circulo, onde trabalhava e que edita os seus livros, para se poder dedicar à escrita, embora não em exclusivo, porque mantém trabalhos como tradutor, editor-adjunto da revista Ler e escritor de outros livros de não ficção que lhe são encomendados.

Sobre o seu processo de escrita, que confessa ter também influência direta ou indireta de escritores como Nelson Rodrigues, Marguerite Duras ou Manoel de Barros, o autor afirma que não o vê como uma atividade profissional, mas como algo a que se entrega totalmente e que tem a ver com questões pessoais e com obsessões.

Bruno Vieira Amaral socorre-se de uma expressão usada no futebol para definir a sua entrega à escrita literária: “É nos romances que eu ponho a carne toda no assador”.

AL // MAG – Lusa/Fim
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