Redação, 29 jun (Lusa) – A novela “Marques. História dum perseguido”, de Afonso Lopes Vieira, é publicada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM), organizada e prefaciada por Eduardo Cintra Torres, mais de cem depois da primeira edição da obra.
Na opinião deste investigador, a novela é “uma obra singular da literatura portuguesa”, que é agora resgatada “do injusto esquecimento”.
A publicação da obra é acompanhada de um estudo sociológico, assinado também por Cintra Torres, e um literário de autoria de Cristina Nobre, catedrática de Língua Portuguesa na Universidade de Lisboa.
A catedrática afirma que Lopes Vieira herdou, com a biblioteca do seu tio, o escritor Rodrigues Cordeiro, “idêntico amor aos livros e a vontade, metamorfoseada em missão apostólica, de fazer um Portugal melhor através da palavra literária e da arte em geral”.
A novela agora reeditada surgiu, segundo Cristina Nobre, no seu período “marcado por uma poética neorromântica de cariz lusitanista e tendencialmente perto de uma veia panteísta”.
O poeta terá, na maturidade, uma outra orientação literária, designadamente vocacionado para o público infantil e para a musicalidade da palavra.
Sobre “Marques”, Cintra Torres afirma-se “impressionado” pelo “rigor da representação de diversos problemas sociais, que fervilhavam então nas sociedades portuguesa e europeia”, no “período fulcral da mudança do século XIX para o século XX”.
Esses problemas, aponta Cintra Torres, são “o crescimento das grandes cidades, a miséria das novas classes de pobres, a influência do anarquismo, a inadaptação dos indivíduos às novas condições para os indivíduos nessa nova solidão”.
Esta é a única obra de ficção conhecida do poeta, autor, entre outros, de “Canções do vento e do sol”.
Nesta obra ficcional, Lopes Vieira, cantado entre outros por Amália Rodrigues, “conseguiu um retrato da sociedade finissecular, através de um estilo novo, que os contemporâneos não entenderam”.
Um estilo, esclarece o investigador, “poético em prosa, com interpolação de pequenos contos”.
“Marques. História dum perseguido” foi publicado pela primeira vez, em Lisboa, em 1903.
A novela é, defende Cintra Torres, um “catálogo de questões marcantes na sociedade do tempo e da reflexão a seu respeito – a miséria social e a moral, a anomia, a separação social, a dor, a cidade enquanto ‘metropolis’ devoradora dos seus filhos, o sonho e a utopia de vidas melhores”.
Afonso Lopes Vieira (1878-1946) nasceu em Leiria, e ficou muito ligado à sua região, designadamente a S. Pedro de Moel, onde tinha uma casa, onde, como afirmou, se inspirava, e para onde se retirava muitas vezes, para escrever.
O escritor licenciou-se em Direito, na Universidade de Coimbra, e estreou-se literariamente aos 19 anos, com “Para quê?”.
Durante a sua carreira literária, empenhou-se na recuperação da obra do dramaturgo Gil Vicente e no seu regresso aos palcos nacionais.
Politicamente criticou a I República, em “Ao soldado desconhecido” (1921), que o levou a ser detido por algumas horas, e criticou também o Estado Novo, tendo sido igualmente detido em 1936.
As suas “Éclogas de agora” (1935) são, segundo Cristina Nobre, “um libelo contra todas as ditaduras”.
A sua obra poética completa será reeditada em breve, informou também a INCM.
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