Malaca, 21 dez (Lusa) – O Natal dos descendentes dos portugueses em Malaca atrai milhares de pessoas ao bairro português da cidade, sobretudo pela decoração das ruas e das casas, mas também pela alegria e hospitalidade dos habitantes.
No Portuguese Settlement, a três quilómetros do centro de Malaca, vivem cerca de mil descendentes de portugueses e nesta quadra, o bairro recebe “entre 800 a 100 pessoas por dia”, disse à Lusa o chefe da comunidade, Raymond Lopez.
Os dias que antecedem o Natal são de azáfama no bairro de 28 hectares, com cada família a investir muito tempo e dinheiro nas decorações. Para além das iluminações, nas pequenas ruas há casas onde as luzes vestem árvores e pilares, num cenário onde o presépio é o destaque, embora alguns moradores optem por fazer a diferença com animais ou anjos gigantes, preparados para oferecer aos turistas a melhor fotografia.
As celebrações começaram no domingo, mas nos dias anteriores já havia trânsito para entrar no bairro à noite, num país de maioria muçulmana que acorda cedo, tornando necessário pagar um reforço policial durante esta quadra para gerir o trânsito.
O bairro parece nunca adormecer, lembrando as festas de verão portuguesas, com crianças a andar de bicicleta e sem pressa de ir para a cama e grupos de amigos a comer e a beber nos restaurantes ao ar livre em frente ao mar, onde durante todo o ano se promove o “marisco português”.

No centro do bairro, há uma árvore de Natal gigante junto ao palco e ao sino recentemente oferecido pelo duque de Bragança.
Dias antes do Natal, prepara-se uma festa para as crianças, com espetáculos e ofertas de brinquedos, gelados e aperitivos, sendo também oferecido um “almoço ou jantar” aos idosos, segundo Raymond Lopez.
Na noite de consoada, a tradição manda ir à missa antes do jantar e depois “visitar os familiares”, às vezes “até às duas ou três da manhã”, relata Raymond Lopez, explicando que “quem não for à igreja não pode visitar” a família, porque na celebração religiosa “recebem uma espécie de bênção”.
“O Portuguese Settlement era muito pacífico e as pessoas adoram-no dessa forma”, mas hoje, depois da missa, “uma pessoa não está mais segura”, porque há pessoas que “não te respeitam” e trazem ‘spray’ para atacar os outros no meio da multidão, lamenta.
Há dias que Sara Frederica Santa Maria, que protege a tradição dando aulas do crioulo português e de danças tradicionais, anda atarefada a fazer doces de Natal, como pequenos bolos de ananás, tal como grande parte da comunidade.
No jantar da consoada, Sara recebe os filhos que estudam fora e serve peru e vinho, “claro”, para brindar com “saodi”.
Andrew De Mello, cantor pop e dono de um bar cheio de símbolos e bandeiras de um país que nunca visitou, realça que “os impostos para o álcool são muito elevados”, mas mesmo assim o negócio vai bem.
De acordo com o irmão e um dos responsáveis do Portuguese Settlement Heritage Museum (Museu da Herança do Povoado Português, em inglês), Christopher De Mello, o dia 25 é para ir de casa em casa e beber “cerveja, uísque e vinho” até ficar “tokadu”.
Quase todas as casas estão abertas no dia de Natal mesmo para desconhecidos que visitem o bairro, sendo-lhes oferecida comida e bebida.
Christopher De Mello conta que até alguns muçulmanos vêm ao bairro e aproveitam para beber longe das autoridades religiosas e policiais, num país que não é governado de acordo com a Sharia (lei islâmica).
“A maioria dos muçulmanos em Malaca têm uma mente aberta e são muito bons bebedores, mas eles têm de se esconder”, realça, frisando que muitos malaios “dizem que amam o povo português” porque é “muito feliz”.
O malaio, que prefere ser assemelhado aos portugueses, acredita que a alegria característica do bairro vem “talvez de Portugal”, porque “dizem que as pessoas em Portugal adoram beber, divertir-se e cantar”.
As semelhanças estendem-se à missa, com os fiéis a beijarem a imagem de Jesus, e à solidariedade, já que muitos “dão comida aos orfanatos e aos pobres”, por vezes, através da igreja ou por iniciativa própria, de acordo com o pároco Michael Mannayagam.
Nesta época, os mais novos fazem grupos e “vão de casa em casa cantar canções” de Natal. Também os grupos de música e de dança tradicionais portuguesas do bairro têm uma quadra atarefada com deslocações a vários pontos do país.
Nesta comunidade maioritariamente católica e onde a promoção da cultura é vista como a defesa da identidade e da sua existência enquanto grupo, o Natal é a festa mais proeminente, embora o Carnaval e os santos populares sejam igualmente motivos de orgulho.
A lealdade aos costumes portugueses ficou desde os tempos em que o colonizador Afonso de Albuquerque aqui chegou, há mais de 500 anos, promovendo uma estratégia de miscigenação, embora a maioria dos habitantes nunca tenha estado em terras lusas.
// MP – Lusa/Fim

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